terça-feira, 28 de junho de 2011

Apelo


Meu coração não pára de bater, não sei o que acontece. Isso me aflige, esse dom de prever, de sentir. A permeabilidade que alguns seres me faz experimentar. Gostaria de saber exatamente o que é, mas não sei. Só sei que posso sentir quando há angústia, quando há embate, luta. Quando há um conflito mental e um pensamento fixo em mim. Estou assim, obcecada, apaixonada. Possuída? Que loucura, essa confusão corpórea! Às vezes, sinto-lhe tão perto, mais próximo que se em carne viva estivesse. E quando me deixa, me deixa também esta agonia. Mas o que fica é ainda pior: a sua partida, a distância. Uma barreira entre nossas almas, o dia todo vizinhas. E fico triste, preciso chorar, pra esvaziar o que ficou sem saída, preso nesta vasilha em que me transformei desde aquele olhar. Gostaria de esquecê-lo. Gostaria? Não tenho forças, sinto-me rendida a forças muito maiores que as minhas. De repente, o mundo me premia com paz e novos ares, novas pessoas, cenas doces e doces palavras. Mas, quando a rotina torna, tornam estas batidas incessantes e fico à beira do abismo, a um passo de enlouquecer. Já nem sei mais o que é saudade, vivo nela o tempo todo e ela está me engolindo. E por mais que eu pense e repense, ainda não posso concluir nada ao contrário do início. Se o amor arrebatou meu coração desta maneira insana, não vou remar contra. Não que eu não queira! Quando sinto que nada disso é real, mas pura imaginação e viagem minha, tento, tento e tento, com o mais contundente que há em mim, esquecê-lo. Mas a luta se estende por tanto tempo que me vence. Canso-me da luta insistente e do pensamento que não cessa e me ajoelho ao chão, braços estendidos pro amor, como diria Djavan: o Samurai. Que outro nome pode ter a alegria que se sente simplesmente por que alguém existe, senão amor? Contudo, preciso esquecê-lo, portanto, esqueça-me! Não conseguirei acabar com isso se você continuar a pensar em mim noite e dia. Posso sentir! Entre mim e ti, desde que o sentimento se instalou sem permissão, não há divisa. Mas se não quiser esquecer-me, então venha. Renda-se comigo e viva o que estava escrito que seria o nosso amor. Calico skies. Amo demais odiar amá-lo assim. Por quê?

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Bicho estranho


Um ser exótico, tentáculos na cabeça
Extensa como uma arraia
As nadadeiras abertas
Sou um bicho de praia
O sol no pensamento
Só barulho de mar, já me recompensa
Uma criatura exótica, olhando por fora
Quanto mais por dentro
Caraminholas “de la liberté” cavucando terreno
Que não é terra firme, mas areia
Muda com o vento, está vivo
Mas nada é mais surpreendente que uma duna
Imponente, resplandecente
Mudo de lugar e minha juba baila e gira
Como um girassol
Minha sobrinha mira, com sua ainda meia-vista
E me identifica pelo aparato ao redor
Dourado nas beiradas
Um bicho exótico
De caraminholas expostas
E índole eminentemente solar
“Estoy aquí”
Mas não falo francês, nem castelhano
Como um bicho estranho que se preze
Falo meu próprio idioma.

Vértice


O sol me salva, sua luz, seu calor. Posso ficar aqui estirada horas e horas. Sol de junho, ainda melhor. O sal me lava. E carrega minhas preces, e abençoa as dádivas que permanecem. A brisa me purifica, venta dos meus ouvidos os pensamentos ruins, o pessimismo. E a solidão me engrandece, o silêncio enaltece o valor das palavras e o brilho de cada ser que se aproxima. As poucas palavras ditas no recolhimento são qual tesouro e, por tão valiosas, requerem o cuidado de um artesão moldando sua obra. Pequenos e preciosos contatos, fotografados pro infinito. Só nas agruras do silêncio, o vértice com o outro é tão bonito.

domingo, 26 de junho de 2011

Apego

O amor não admite intervalo.
Depois que a paixão por outro alguém atravessa a relação como um cometa,
Nada mais haverá para a frente, a não ser apego.
Se a paixão atravessa,
Marca com sua linha invisível os novos hemisférios, como um trópico.
E divide em dois, mesmo o indivíduo que não quer ver
E permanece no hemisfério do passado,
Tentando reconstruir o vidro.
Mas não existe amor quebrado.
Não existe amor sem integridade.
O que resta do amor incendiado pela chama de terceira pessoa
Não passa de cinza,
Vã tentativa de restaurar o objeto partido.
Só apego.
O mistério maior é que o evento trágico possa ser o atalho,
A ponte de acesso mais fácil para o inevitável.
Há que se entender um pouco da vida pra saber que alguns enigmas não são desvendados de imediato.
E que a paixão é uma espécie de estrela.
É o guia mais sensato desta vida,
Que alcançamos tão pouco, pudera! 
Se agarramo-nos ao oco...
Ignorar o trópico que divide os hemisférios do passado e do futuro
Não devolve ao globo o estado anterior.
O amor não admite intervalo.
Retomá-lo com falha,
Continuar apesar de acesas as fagulhas do cometa,
Não é proeza.
Só apego.

(A capacidade de enganar o outro, me assusta. Mas é a capacidade de se trair que me apavora. Este é o compromisso da inverdade, com o qual não compactuo. Não invejo o pseudo-amor que passa por cima de tudo, ignora os instintos. A quem o queira, que faça dele bom proveito.)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

QUAL SERÁ O FINAL?


Qual será o final? Não se sabe. Ninguém sabe. O final é uma coisa redonda, quando alcança o ponto inicial, recomeça, e ninguém sabe quando. Se a vida de hoje é paciência, talvez no fim valha a pena. Talvez, ao chegar lá, no ápice da história, todos os detalhes escusos se entrelacem, tão bem costurados que tudo, mas tudo mesmo, tenha valido a pena. E faça sentido. Mesmo que agora pareça uma grande armadilha do destino. Sigo jogando. Sem saber o fim, aposto que, no auge do enredo, haverá um motivo a justificar tudo. Qual será o final? Não se sabe. Ninguém sabe. Sigo escolhendo as cenas, editando o filme da vida conforme o coração. E assim, não sei se o fim será feliz ou triste, mas, sob a luz do sentimento, de qualquer maneira haverá uma maravilhosa história de amor pra ser contada. Pra ser contada pros amigos, pros desconhecidos, pras crianças. Sigo apostando. Porque desencontro de amor é uma coisa romântica, mas todos preferem a esperança que só o final feliz inspira.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

ENCONTRO


Encontro é o curto momento em que a existência, que caminha a esmo a maior parte do tempo, faz sentido e nos remete ao encanto do inexplicável. Curto momento em que a congruência entre dois seres sobressai e altera o itinerário. Curto e inevitável momento em que a reação entre dois corpos resulta em conjunção de almas e dá asas ao acaso. Curto momento que perdura, apesar da brevidade, e cobre de prata os detalhes que preenchem tudo o mais que é vida, mas não é felicidade.

(Se são só momentos o que temos, que possamos vivê-los completamente, sem medo, pra que as lembranças sejam inteiras e nosso sustento no intervalo que se impõe entre nós e o reencontro).


segunda-feira, 13 de junho de 2011

COMO UM CAVALO


Eu não sei voar
E ainda assim
Só sei voar
Como um cavalo selvagem
Crinas ao vento
Sujeito ao tempo e ao perigo
Escrevo na parede do quarto
"Eu não sei voar, isso é ilusão"
Mas não adianta
Ao menor descuido
Meus pés se elevam
E do chão flutuam
Animal voador
Mesmo domado intimida 
Um animal voador é magnífico
O solo quente e árido
Não fere seus cascos
De tão veloz o galope
Quase não atritam com o chão
Decola pro horizonte
Num tiro rítmico de cavalo
Eu não sei voar
E ainda assim não desisto
Só sei voar
E imitar um cavalo arisco
Exercitando sua perfeição
Num vôo incrível

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O nome deste poema não tem nome



Flácidas palavras me alegram com seus éles entrelaçados entre consoantes pálidas. Adoro dizer seu nome, e por causa dele descobri que gosto do éle que se enlaça no bê, no pê, no gê, no éfe e no cê, compondo sons inflamados, como clima e flauta, clave e blusa, fluido e nublado. Também gosto de placa, de glória, de Plutão, de Gláucia. E é claro, gosto de Clara, de clareza, de plástico, glicerina, de clorofila. Como gosto de flerte, de Cláudio, de teclado, de Glauber. Adoro mais ainda Clarissa, plasma, templo, plácido. E Clóvis, (minha sina), Blumenau, um destino. Também gosto de planície, do Pluto, de plush, de planta. E ainda de clone, de close, de clamor, de glamour, de gliter, de bloco. Gosto do Tony Blair, apesar de passado, e de Platão, sempre atual. E gosto de tablado, de público, de flutuar ao teu lado. Gosto de flores, de plural, de glossário. De Plínio nem tanto. Mas gosto de Flávio, de Kleber, de sorvete de flocos, de simplicidade. Já Claudete, blindagem, blá blá blá, fluconazol e problema: passo. Mas todas as palavras que, como seu nome, embalam-se numa língua que sobe pro alto, são de dicção formidável. Tem também explicação, aflição, inflamação, conclusão, pleonasmo. Um primo chamado Cleiton, um sonho chamado Glauco. Tem glúten no pão de hambúrguer, e no francês e no de forma, não tem jeito. Tem o globo e a gleba, também tem pleura, também tem pleito, também tem pluma, também tem clero. E a oclusão insegura. E o Klecius da sala ao lado. Tem também o Suplicy, político que gosto. E tem flancos que sobram, e glúteos à mostra, aos montes. Tem gladiador, glicose, glote. E Cleusa, reclusão, suplício, Plutarco. Tem flatulência, glaucoma, clube, glub glub. E tem seu nome, que não digo porque respeito, mas que dá vontade, isso dá, é inevitável. Mas resisto. Em consideração ao bloqueio que trazes: emblema, blasfêmia, oblíquo. E num fluxo incontido de hemoglobina, um blues glacial, Clark Gable, uma flâmula, um clique. Não quero flagrante, nem fluoxetina, nem claustro. Nem catástofLe, nem desastLe, nem pLisão, ou qualquer outra palavra do Cebolinha. Mas o ciclo completo é bem-vindo: a glândula, o clitóris, a plêiade, o clímax.

terça-feira, 7 de junho de 2011

ESTE É O LUGAR QUE TE CONCEDO


Este é o lugar que te concedo
Veja:
Tem músicas tantas
E mil pensamentos
Cores quentes
Emolientes
A nos enlaçar
Abraça-me por dentro agora
Bem no centro
Onde não há dor
Nem impedimento
É só amor
Doçura
Sentimento
Toca-me com a ponta dos dedos
Senão afunda
A textura é fofa e se move
Qual nuvem no firmamento
Aprecia com a língua
Suavemente
Este é o lugar
Fremente e singular
Que te concedo

sábado, 4 de junho de 2011

Intitulo-me: poeta


Escrevo da seguinte maneira: primeiro, uma coisa a dizer na mente. Uma conclusão, um ponto qualquer. Depois, sento-me, pensamento firme no cerne do que quer sair, e teclo qualquer coisa. E então, as palavras vêm em torrente e se amontoam sozinhas, de própria vontade. E elas são dançarinas, gostam de rima, se organizam pelo som. Então, é assim que se forma a poesia ou qualquer coisa outra que eu escreva. Sinto-me mais um instrumento do que a mentora da formação de meus textos autônomos, praticamente independentes. Aí me perguntam: o que você lê? Quais os poetas que te guiam? Nenhum. Poxa!, leio pouca poesia. Como posso ler poesia, se escrevo poesia? E todos ficam embasbacados e se riem da minha petulância em dizer-me poeta. Uma poeta que não lê os grandes poetas? Eu os leio, e os considero infinitamente melhores que eu. Contudo, escrevo e sinto entre eles e mim, uma ponte. É através do que escrevo que os alcanço. Não sou devota de nenhum, porque escrevo o que sinto, à minha maneira. Leio o que escrevo e admiro minha obra, porque sei que não vem só de mim. Estou mergulhada no mesmo limbo de todos os poetas. E por isso escrevo. Não importa, exatamente, o reconhecimento alheio. O exercício e o movimento do que impulsiona as palavras brincalhonas que pululam no meu ser, como grilos atrevidos e cantores, é parte de mim . É esta a minha devoção para com os grandes mestres. E me rende, até contra a vontade. É anterior e superior à minha autocrítica e ao temor da reprovação ao redor. E é por isso que ouso intitular-me assim: poeta.

O que ele não leva, aumenta


O tempo tudo leva. Arrasta pra dentro de si as trevas que porventura vierem e as venturas que se aventuram sobre a gente, com seu viés pungente de eternidade. Tudo bem. O tempo e sua majestade levam os horrores, algumas lágrimas e outras coisas. Mas e os amores? O que ficam dos amores que o tempo leva? Depois que passam, ainda ficam deles os sabores, às vezes ainda mais açucarados e belos do que foram de verdade. Dos meus, ficam os versos, as palavras que se amontoam de própria vontade, com som e sem compostura.
Não sei se gosto desta coisa do tempo levar, de tudo passar, de despedir-se do que ainda está, porque no futuro não estará, mesmo que ainda esteja agora. Vai passar... Só o tempo. O tempo é amigo do esquecimento. Mas pode também ser mais. Pode ser apenas instrumento de recrudescimento do que fica. E a gente nunca sabe o que fica. Porque o tempo... O tempo leva tudo, quase tudo. Mas o que ele não leva, ele aumenta.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

OLHOS CASTANHOS


Um quarto escuro
Dessa cor são meus olhos
Profundos
Através deles eu converso
E meu assunto
É poesia
Coisas fugidias
Gasosas
Prefiro o abstrato
O universo que comporto
É um absurdo
E me basta
Ignoro a gramática
Se dela extraio
Som mais fácil
Da tua tez pálida, culpada
Não quero nada
Estou, de ti
Anos-luz adiantada 
São meu carrinho de rolimã
Os pés descalços
A mente que levita
Dos filmes que assisto
Guardo os beijos
E as histórias de amor
Ainda que finitas

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Conversa entre Poetas



Fiquei comigo a matutar
Se segredo é essência,
Se a essência às vezes é escondida.
Concluí que não, amigo.
Segredo é desejo,
É intento do indivíduo.
Já essência é mais,
É o que está por trás e sustenta.
Essência é a pegada antiga
Que deu início à trilha.
Essência é o que está no centro,
É o berço, o exílio.
Essência é o pai e a mãe,
O primeiro sorriso,
O primeiro amigo.
Segredo vem com o tempo,
É matiz da malícia,
Artimanha do percurso,
Vício adquirido.
O que diferencia a essência do segredo
Não é só o que significa.
Na essência há o prelúdio.
No segredo, o abismo.
Entre um e outro, o oceano,
Que a intenção é quem dita.