sexta-feira, 22 de julho de 2011

Ladrão de versos


tinha as pálpebras inferiores lisas, como um peixe, mas seu olhar astuto e seu assovio e sua cabeça miúda, que ele movia com pequenos solavancos, também me faziam lembrar um passarinho
‎tinha os cabelos anelados, cor de favo, que o envolviam como nuvens, e uma doçura branda, quase feminina, mas seus beijos suaves viciavam, como batata frita
‎‎tinha os lábios finos unidos numa meia-lua crescente, quase um sorriso. E em tudo o mais que ele tinha, a melodia escorria, alta, comprida, como um intenso carinho
tinha o perfume das coisas guardadas, que se conservam intactas, mesmo velhas. O olhar fixo, adiantado, que mal piscava, o nariz adunco, perto dos lábios, aperfeiçoando os sentidos
tinha a pretensão de ter asas, girar o mundo de bicicleta. Mas apesar de tudo o que tinha, era ladrão de versos e, do objeto de que eram feitos, se apropriava, moldava-se fácil em palavras
e ninguém havendo por perto, acampava entre as rimas, com sua paz de deserto, seu amor devagarinho

segunda-feira, 18 de julho de 2011

voava o amor como um pássaro


tudo era amor naquele momento e desde o primeiro momento porque a alma reconheceu-se e a alma não tem traços fixos mas contornos indefinidos flexíveis e o amor tem nomes variados muitos nomes e faces e se entristece quando sob pseudônimos vem e vai sem ser notado mas naquele dia e nos subseqüentes a mulher já sabia que a doçura contida em pequenos gestos e entre as ondas de pensamentos e sentimentos enredados em harmonia afinidade e companhia e entre dedos que se tocavam com calor e carinho o que se revelava era tão somente AMOR mas tinha o nome de ternura de doçura de laço cármico o amor naquele caso podia chamar-se amizade mas quis ser mais e foi e voou pra mais longe como um pássaro preto à beira do Amazonas e seu piado no silêncio um som mágico a alastrar-se por dentro das almas e a apertá-los com um laço indelével e perpétuo um laço trágico e eterno porque naquele caso o amor tinha tantos nomes e não se iria com o tempo nem com nada nele havia imagem canto poesia havia uma cena de filme compartilhada e o encontro inebriante de um passado contido pra sempre naquele pássaro que quase o atropelou mas depois veio alojar-se nos cabelos dela de onde ele respirou extasiado o reencontro consigo mesmo à margem do próprio espírito no dela unido num instante mágico

Placas tectônicas


Minha vida é um álbum incompleto. Ainda há muitas páginas em branco e figurinhas novas que eu nem imaginava. Tirei o cabresto e que surpresa: um mundo imenso ao meu redor. O que a gente esconde e o que a gente mostra... um furo na meia é melhor que seja descoberto logo. A gente nunca conhece as pessoas de verdade sem antes entrar em suas casas, abrir, pelo menos uma vez, seus guarda-roupas, inspirar o ar que ocupa o ambiente, afagar seu cachorro. Tudo revela o ser que nelas mora.
Pessoas covardes não me agradam. Nem as que não se decidem. Não me aprazem rostos amassados. Gosto de cabelos perfumados e roupas cuidadas, mesmo que antigas. Cada fase da vida tem uma alegria e uma cantoria. Hoje em dia: Fagner e Baleiro. Poesia pode ser sinestesicamente composta e não precisa ser uma coisa única. Pode ter camadas ou retalhos, como uma colcha, como placas tectônicas.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Rumo à liberdade



A busca de ser livre não acaba pra ninguém. Apesar da liberdade ser-nos tão intrínseca, impossível de se renunciar, ainda rumamos para ela como se fosse inatingível. Como se ela pudesse nos escapar...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

A escalada

Prefiro subir, subir, subir
A taquicardia, o fôlego que falta
O sacrifício de uma escalada
À planície que se estende molemente
E se alarga, como as horas da tarde
Compridas, intermináveis
As horas do dia não são todas iguais
As horas da tarde demoram-se mais
Penosas, tolas e cansadas
Como são as retas da estrada
Sem a expectativa do fim
Sem a montanha à frente estendida
A vida não tem a mesma graça
Sofre viver assim
Ou se vive mais, sofrendo, enfim?
Incessante e inútil, a perseguição de ser livre
Nunca pode, o ser, livrar-se da liberdade que tem
Intrínseca, como a alma e o amor
Amor que se infiltra nas paisagens
Nos bichos e nos perfumes
Na rotina da vida diária e seus pequenos detalhes
Compromissos, agenda, tarefas
Que se impõem e sobrepõem e se transformam
Num pássaro, às vezes, ou numa casa
Num cesto de roupa lavada
No topo de uma montanha
Cada hora muda de nome
O amor, o desejo, a liberdade
O ser humano 

domingo, 3 de julho de 2011

PEQUENA POESIA


azul pacífico
paz nas cortinas
ondas pela casa
o mar está suspenso
no ar, denso
flutua-se como n’água
sobre prancha de isopor
tudo que eu mais quero da vida
risada e amor
mais nada