sexta-feira, 22 de julho de 2011

Ladrão de versos


tinha as pálpebras inferiores lisas, como um peixe, mas seu olhar astuto e seu assovio e sua cabeça miúda, que ele movia com pequenos solavancos, também me faziam lembrar um passarinho
‎tinha os cabelos anelados, cor de favo, que o envolviam como nuvens, e uma doçura branda, quase feminina, mas seus beijos suaves viciavam, como batata frita
‎‎tinha os lábios finos unidos numa meia-lua crescente, quase um sorriso. E em tudo o mais que ele tinha, a melodia escorria, alta, comprida, como um intenso carinho
tinha o perfume das coisas guardadas, que se conservam intactas, mesmo velhas. O olhar fixo, adiantado, que mal piscava, o nariz adunco, perto dos lábios, aperfeiçoando os sentidos
tinha a pretensão de ter asas, girar o mundo de bicicleta. Mas apesar de tudo o que tinha, era ladrão de versos e, do objeto de que eram feitos, se apropriava, moldava-se fácil em palavras
e ninguém havendo por perto, acampava entre as rimas, com sua paz de deserto, seu amor devagarinho

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