De repente, o vi. Suas sacolas cheias de compras. Presentes.
Como num sonho, ele sentou mesas à minha frente, voltado pra mim. Pude sentir seu cheiro, a textura de novelo de sua pele tão branca. O cabelo mais longo, como quando o conheci.
Vestia a roupa de sempre. Como se eu o tivesse visto ontem e ainda não se trocasse.
Os mesmos gestos e hábitos, e distância. Estávamos distantes assim, àquela distância, há um passo do fim.
Mas seu retrato era o mesmo. E não era parado, mas vivo! Como saído de um túnel do tempo. Como estacionado no espaço. À espera de mim.
Seria fácil levantar-me e tocá-lo. Dizer palavras surradas e sussurrar seu apelido amoroso, com o dengo de outrora. Senti-me como a estender a mão e tocar o passado. E apagar os dias chorados. E fechar o buraco escuro.
Mas, outra vez de repente, ele piscou. E eu vi, ao contrário, - que os segundos passavam para ele, mesmo que parados pra mim. Para que eu fotografasse a cena boa que eu apaguei com tudo o mais. Com o luto. Com o que não torna ou revive.
Então, desviei os olhos de volta. E mesmo com aquele retrato na mente, e aquela ilusão de retrocesso, ainda latente, vislumbrei as mesas vazias que nos separavam, serem ocupadas. E as sacolas cheias de presentes para crianças, carregadas pelos braços dele.
Crianças já crescidas que eu apenas soube concebidas, mas que eram a prova viva do transcorrer do tempo, do desvio de nossas vidas. E também dos dias chorados, das noites pesadas, da alegria perdida.
Então ele se levantou e foi. E vi suas costas fartas e a falha mais larga no alto da cabeça, sob os raros cabelos compridos.
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