É interessante perceber que quanto mais aumenta em mim a capacidade de escolher no outro, ou do outro, só o que eu quero ver, viver, saber, participar, mais se aviva no outro a necessidade de dar-me aquilo que recuso. Desperto uma revolta, uma ira. Mais que uma necessidade de revelação, é quase uma afronta para o outro que eu me negue a participar daquilo que não me interessa. E essa afronta transforma-se numa pungente força de auto-afirmação e encontro com a essência inteira daquele ser, de quem repudio um pouco. É estranho que eu seja capaz de causar esse efeito, quando o que espero é exatamente o oposto. Procuro deixar oculto, com o que ofusco, aquilo que trará perturbação à relação. Aquilo que fará que não haja em mim o mesmo ânimo ou a mesma entrega que haveria, se não aquilo. Mas esta defesa é quase um insulto. Aquele que convive com ela, sente-se rejeitado, sente-se humilhado até, pela minha capacidade de engano e minha falta de capacidade de encarar o todo. Não sabe, o outro, que é minha maneira de ficar inteira. Participar só um pouco de sua alma verdadeira, de maneira a não confundir meus planos, não exacerbar meus ânimos, não me tornar inevitavelmente insuportável ou sem forças. Porque, manter-me parte no escuro, preserva não só em mim, mas no outro, a integridade inaceitável, a personalidade incomparável. E só nessa meia-relação inteira é possível a convivência, a complacência, a emoção.
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