O que é a fidelidade? Não sei bem se ela pode existir, mesmo nas relações mais honestas. Teimo até em dizer que não. Nem nas relações mais puras. Porque a fidelidade não é a lealdade. A lealdade é a virtude de ser pelo outro, de maneira que este outro possa contar contigo nos momentos mais improváveis. A fidelidade não. É muito mais que isso. A meu ver, é, nas relações amorosas, a expectativa de só desejar o parceiro, apesar das circunstâncias. Portanto, não existe. Porque não é uma atitude. Está no pensamento. E o pensamento, imaterial como é, é volátil demais para ser fiel. Por isso, a maioria dos casais, pra não dizer todos eles, mesmo os que propagam a crença na fidelidade, reduzem a característica da fidelidade ao aspecto material, apenas ao que se faz, e, ouso dizer mais, apenas ao que se vê. Mas não que isso seja errado. Se de alguma forma deve existir a fidelidade, que seja na única forma possível, ou seja, nas atitudes. E, como as atitudes nada mais são do que o que se presencia, que seja a fidelidade a característica do que é visto. Isso porque, como já disse, o pensamento voa, e não há quem não deseje um outro corpo, outro sabor, ou simplesmente a individualidade, a independência em seu mais alto grau, que só a solidão é capaz de proporcionar. Mesmo que por alguns instantes, mesmo que em breve devaneio, logo contido pela razão, pela moral, pela “lealdade” ao outro ou pelo bem querer, que repele os atos impensados ou inconseqüentes capazes de magoar quem se ama. Fidelidade não tem relação com o amor. O amor existe. Também ele é o que se constrói, o palpável, a atitude. Mas este é, além disso, uma emoção, uma ternura inquestionável, soberana dentro das relações, permeador dos “mistérios” da vida. O amor é abrangente, capaz de envolver muitas coisas e pessoas e ele é, por sua complexidade, capaz de coexistir com a maioria dos sentimentos: a raiva, o ciúme, a inveja, a admiração, a paz, a paixão, a complacência, a misericórdia, a dependência, a carência... A fidelidade não. A fidelidade é um ideal. É o ingrediente dos contos de fada, é a segurança do perfeito, do acabado, do completo. Mas o amor não é assim. A vida não é assim. O universo é o movimento. E o movimento jamais é completo, está sempre em transformação, distante do perfeito, porque não se sabe o resultado quando tudo gira o tempo todo e a magia está na transmudação, no novo. Por isso, sou pelo respeito. Pelo bem querer. Pela consideração ao parceiro, que não necessariamente deve ter acesso a todos os compartimentos de sua alma ou a todos os caminhos do seu pensamento, que, às vezes viaja por outras praias e delineia outros corpos e bocas, com a imaginação.
Fidelidade é uma meta, inalcançável nas relações de casal. E creio que até nas relações entre amigos. Porque mesmo os amigos mais queridos falham, e despertam no outro a queixa, o vislumbre daqueles defeitos, às vezes não ditos, pelo amor, este sim, maior, protetor. Ser fiel é para o ser humano, um distanciamento de si mesmo. Respeitar, não. Respeitar é reconhecer as limitações do movimento da vida e de sua característica falha, posto que humana. É considerar que, como a areia que muda de lugar, um pensamento libertino ou apaixonado, às vezes dura o tempo de um raio, e não merece ser dividido. Respeitar é saber que o outro, como o eu, tem seus “flashes”, seus repentes, seus segredos, e que, apesar de haver em nós sempre a tentativa da claridade a todo custo, o obscuro é elemento indispensável da convivência. Nem tudo deve ser partilhado. Porque, o soberano, é o amor. E o amor deve sobressair a tudo. Até à fidelidade. Que é a utopia dos casais apaixonados, impossível de perdurar, a não ser no que se mostra, no que, cuidadosamente se revela, com carinho e cadência, a quem se ama ou quer bem.
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