terça-feira, 4 de agosto de 2009

Esclarecimento

Esclareço: não é que a vontade seja ruim ou boa. É só uma conseqüência de quem quer muito, de quem não se conforma ou não se contenta com pouco. Mas, como se sabe, na vida o perfeito é o equilíbrio, é a medida exata, é a contenção dos instintos, não se deixar seduzir completamente pelas facilidades. Pena que isso me falta. O apetite é sempre maior do que recomenda o bom senso. E quando digo apetite, refiro-me a tudo. Refiro-me de novo à vontade. À vontade de que as coisas que eu gosto, nunca se acabem. O apetite não é só da comida, da qual gosto muito. Mas é também apetite de sol, que adoro: a energia do sol em mim, corando a minha pele, contra toda a ética da beleza. Apetite de mar, de água salgada na pele e nos cabelos até que ambos esturriquem. Apetite das pessoas que eu gosto, e dos amigos queridos, os quais quero sempre rindo, sempre de bom humor. Apetite de amor, de volúpia e de doçura, numa mistura quente e fofa, onde eu podia permanecer mergulhada por dias, sem respirar. Vontade de tudo o que gosto, de tudo o que é bom, sem medida, sem hora pra acabar. O desejo que me impele é tão grande, e o apetite tão farto, que é impossível não passar vontade. Sinto vontade de morar perto do mar, e de queimar a pele sob o sol todos os dias, entre meus amigos, todos sorrindo, e meu amor, que, por enquanto, não conheço mais. Sinto vontade de passar as tardes dormindo, preguiçosa, no peito de quem amo. E de conversar horas e horas, e brincar um monte, quando o assunto acabar. Sinto vontade de concluir as melhores e mais importantes coisas e dividí-las com sentido, entre tantos, entre muitos, todos que compreendam o que, no fundo, digo. Às vezes parece uma vontade pequena, uma busca imediata de consolo e prazer. Nem mesmo é um sonho, é só uma necessidade, uma procura, um combustível pra permanecer. Vontade. Apetite. Fome. E falta de limites para o prazer. Um pouco de vício, de preguiça, de culto ao ócio produtivo capaz de despertar os sentidos e o raciocínio para o motivo final, o objetivo comum. A realidade é bem diferente. Sigo na lida diária, como todo assalariado, atrás da sobrevivência. E podia ter muito mais do que tenho se, ao invés de entregar-me às vontades, que sempre serão maiores do que aquilo que posso ter, entregasse-me à perseguição de meus títulos, como reles batalhadora que sou. Mas o que posso fazer, se a vontade é tamanha? Sigo buscando satisfazê-la um pouco. Entre meados de lírica e louca. Tudo o que mais passo, é vontade. Mas tudo bem, faz parte de ser o que sou. Já alcanço o equilíbrio em muitas coisas. O processo de normalização já operou em mim seus milagres. Mas, de verdade, o que é a normalidade? Tenho uma amiga que diz que sua principal virtude é ser normal. E eu não julgo mal. Penso que ser normal é realmente bom. Ser normal é não questionar as regras, é viver encaixada no mundo, sem desconexão. É estar encontrada, confortável, serena. Meu sonho é a normalidade, é o estado de coisas em que as vontades serão poucas perto de todo o trabalho. O estado de coisas em que a pessoa relaxa, sem esperar nenhum novo acontecimento. Sem depender de um fato novo ou uma atitude do outro. Estou longe da normalidade. Meus instintos atormentam-me. E ainda, tudo ou quase tudo o que quero, não tenho. Tudo o que mais passo nesta vida, é vontade. Nem sempre será assim. Pode ser que ocorra a adaptação completa, o encontrar-me comigo mesma ou com outro que me encontre e me queira assim mesmo. Mas há a possibilidade de que estas vontades estendam-se folgadas, donas de mim por muito tempo ainda. Não sei se a adaptação deve vir antes que o conforto da serenidade, ou se a vontade deve ser suprida para que a adaptação aconteça. De qualquer modo, segue o dilema. E as vontades permanecem. Enormes. Vorazes. Apetite de novidades. Mundo de sonhos aqui. Talvez os mesmos que me impulsionam a criar, a escrever, a imaginar, a tentar desvendar o segredo, como Sócrates, como Weber, como tantos, como Sartre. Um segredo que não sei se serve à humanidade, ou só a mim e à busca de satisfação desta vontade. Porque, por enquanto nesta vida, o que mais passo, é vontade.

Um comentário:

  1. Estou longe da normalidade. Meus instintos atormentam-me. E ainda, tudo ou quase tudo o que quero, não tenho.
    Tudo o que mais passo nesta vida, é vontade...............

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