sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

TEMPO DE AMY


Se eu ouço a Amy, teletransporto-me pra um buraco no tempo, nem passado, nem futuro, algo num intervalo, numa fenda entre o agora e uma cena não editada de uma fita. Uma rima bonita sem encaixe no texto, que a gente elimina sem dó e fica no ar, rondando como lixo na atmosfera, em volta dos satélites da Terra e as estações da Nasa, no espaço.
É tudo tão frio que a gente respira como quem fuma, soltando fumaça.
Um homem passou com uma prancha de esqui e me pareceu um skate comprido, mais charmoso. Afinal, o branco é uma cor fina. A neve só poderia ser chique.
Ninguém usa o futuro do pretérito, este tempo de poeta, tão Amy Winehouse, nestas terras altas, cheias de colinas e concreto duro de outros tempos. Ninguém usa gerúndio, como se nada estivesse em andamento enquanto se vive, como se só houvesse os tempos definidos e todos os outros, interstícios, passassem despercebidos.
Quando ouço Amy, penso num filme em preto e branco ou numa ópera. Penso em negros de subúrbios americanos e em cabelos brancos de novos amigos. Penso em cinema, arte, o obscuro, os motivos, tudo que a gente não vê e nos move, tudo que fica ao redor e não se absorve.
Penso no que é bonito, mas passa. E nos edifícios que nos envolvem e nos deixam um pouco bêbados, como os mantras entoados pelos indianos e os que oram nos cultos. Como os atabaques da umbanda.
Enquanto Amy canta, estou envolta num véu inebriante como incenso e ando por campos nublados, entre árvores vazias, só os galhos dispostos à espera do clima ameno de dias de primavera, e as casas balançam, com suas janelas pequeninas da Idade Média, enquanto a estrada à minha frente se adianta, com seus mistérios e coisas estranhas: uma alienígena perambulando entre as gentes, impedida de conjugar os verbos em todos os tempos.
Mesmo assim é doce e suave. Quem não é estrangeiro neste mundo grave?
Amy canta e me conduz por entre ruas tristes e lindas, como a Europa.

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