domingo, 23 de agosto de 2009

Mulher comum

Quero o direito de ser uma mulher comum. Uma mulher comumente nobre. Como as de antigamente. Uma mulher que às vezes não está com as unhas pintadas, nem perfeitamente depilada. Uma mulher que cozinha, cuida da casa e sua, fazendo as tarefas do dia-a-dia. Uma mulher que se cansa, que fica exausta. E que, ao sentir-se assim, tem linhas embaixo dos olhos baixos. Quero o direito de ficar com os cabelos desalinhados, ao estar em casa, com meus afazeres. De vestir meus pijamas mais confortáveis, minhas roupas de ficar em casa. Quero o direito de estar pálida, de mostrar os olhos pequeninos, sem máscaras nos cílios, como um esquilo. Quero o direito de ser uma mulher comum. E ainda assim, ser amada. Ser desejada. Onde estarão os homens que desejam mulheres de verdade? Aquelas que podem ser esplendorosas, mas também extremamente simples, batalhadoras? Onde estarão os homens que desejam uma mulher de avental, lavando as louças do almoço? Ou com os cabelos displicentemente presos, enquanto corta os legumes, preparando a comida? Onde estarão os homens que admiram uma mulher cansada, uma mulher exausta pela lida, pelo esforço de tudo que reúne sob seu comando? Onde estarão os homens que se encantam com uma mulher que se lambuza ao comer melancia e que ri como uma criança, às vezes sem motivo? As mulheres valorizadas, são as de capa de revista. São impecáveis. São portanto, as imóveis, as estátuas, as que “se cuidam” e, talvez, não cuidem de mais ninguém além de si mesmas. É importante e bom olhar no espelho e ser e sentir-se bela. Mas ainda melhor é sentir valor e amor em ser várias. Em desempenhar vários papéis, dentro de inusitados figurinos e, ainda assim, ou mais assim, ter valor. Sentir o desejo real de seu homem que a quer principalmente quando ela cuida, além de si, dos outros, dele, do mundo. E se permitir estar de cabelos desgrenhados e unhas descascadas, naquele instante de entrega. Em que, apesar de tudo, ela ainda é ela.

A alma está gasta

Cansam-me as aventuras.
Gastam-me.
Meus sonhos, minhas carícias, meus instantes.
Não quero gastar-me com aventuras.
Minha alma cansa-se.
Não quer ser gasta.
Não quer ser alvo de carências, de toques ameaçados de remorso e dúvidas.
Recolho-me.
Com meus cacos e dissabores.
Minhas metas e sonhos.
Até que o “mundo” clareie.
E com ele tudo o que me rodeia.
Falta a alma, em mim
E não posso gastá-la,
Para que não se acabe o ar
Ou brilhe a navalha
Mais que a lembrança dos sorrisos
E dos familiares.
Recolho-me das aventuras,
Do mundo e de seus horrores,
Até que tudo clareie
E possa, eu, ver amores,
Sorrisos, doçuras,
Cheirosas flores.

AXÉ




Horas solitárias e doloridas. Lágrimas. Lágrimas amigas que desanuviam meu peito e liberam meu ser para sensações outras, que não esta dor sem causa. Às vezes choro. Pela manhã, quando me troco. Quando me dispo de minhas vestes e me toco. A pele fria. Às vezes choro e o choro é fundo. É só uma dor. Sem explicação. Sem motivo remoto. São lágrimas desesperadas, desconectadas do real, abismadas no vazio. Lágrimas salvadoras. Irrompem, com suas gotas, a dor bloqueada, as dores rotas, amassadas, sufocadas pela razão. Porque neste país e nestes tempos, é fora de moda ser infeliz. Axé para os brasileiros! E, no pensamento do cidadão, a teoria de “O Segredo”. É fora de moda ser triste. A maioria das emoções não mais existe. Qualquer que seja o estado de espírito, a alegria impera, sob o som do AXÉ, o torpor das “ervas”, a distração dos churrascos com cerveja. Antes podíamos ser tristes. Cantar a dor, transpor os limites do agradável. Hoje ninguém mais resiste. Tudo deve ser editado. Nossos intelectuais afastam-se, apavorados. O lema é a positividade, a risada. O “amasso”, a música animada. Ninguém mais canta o desencanto. O desalento. A tristeza. O questionamento. A dor. O buraco de ser humano. De ser pensante. Até os intelectuais sorriem. Até a boemia é “pra cima”. O que houve com o Romantismo e os poetas das antigas? A que se reduziu o homem com seu sorriso implacável, permanente, e seus mil e quinhentos amigos? É mal cantar a tristeza, o mal, a avareza, o egoísmo, a corrupção? É mal incomodar-se num país como o Brasil? Em que o que mais vale é sorrir, à imagem da perfeição, com axé geral nas rádios.Quero todos os nuances. Ser imperfeita.

Abre-se o céu

Abre-se o céu.
O céu volta a abrir-se pra mim.
Posso vislumbrar o azul com o alaranjado. As nuvens são brancas e fofas, com várias caras.
As nuvens, cinzas, afastam-se, perdem força.
O vento sopra vagarosamente, (em cada minuto, um dia), para longe, a tempestade.
O tempo sopra, aos bocados, o cinza das condensadas nuvens. Das nuvens carregadas de tristeza, que se afastam.
Vejo o céu abrindo-se. Raios de sol atravessando e irradiando o planeta de cores, com sua luz verdadeira.
Abre-se o céu.
Novamente, abre-se pra mim.
E, abrindo-se, nele percebo possibilidades antes, mais que improváveis, impossíveis.
Percebo que se estendem para mim as escolhas, (meu eterno dilema), à medida que o vento sopra e as cores primárias interagem, abrindo o céu dos meus sonhos, que antes parecia haver morrido.
Abre-se o céu. Um buraco azul na folha cinza, carregada de nuvens. Nuvens de água. Água de lágrimas salgadas.
Abre-se o céu. E nele há amores.
Nele há cores e passos antes nunca dados, nunca ousados.
E, no azul com o laranja, o que há?
Esperança.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Fidelidade

O que é a fidelidade? Não sei bem se ela pode existir, mesmo nas relações mais honestas. Teimo até em dizer que não. Nem nas relações mais puras. Porque a fidelidade não é a lealdade. A lealdade é a virtude de ser pelo outro, de maneira que este outro possa contar contigo nos momentos mais improváveis. A fidelidade não. É muito mais que isso. A meu ver, é, nas relações amorosas, a expectativa de só desejar o parceiro, apesar das circunstâncias. Portanto, não existe. Porque não é uma atitude. Está no pensamento. E o pensamento, imaterial como é, é volátil demais para ser fiel. Por isso, a maioria dos casais, pra não dizer todos eles, mesmo os que propagam a crença na fidelidade, reduzem a característica da fidelidade ao aspecto material, apenas ao que se faz, e, ouso dizer mais, apenas ao que se vê. Mas não que isso seja errado. Se de alguma forma deve existir a fidelidade, que seja na única forma possível, ou seja, nas atitudes. E, como as atitudes nada mais são do que o que se presencia, que seja a fidelidade a característica do que é visto. Isso porque, como já disse, o pensamento voa, e não há quem não deseje um outro corpo, outro sabor, ou simplesmente a individualidade, a independência em seu mais alto grau, que só a solidão é capaz de proporcionar. Mesmo que por alguns instantes, mesmo que em breve devaneio, logo contido pela razão, pela moral, pela “lealdade” ao outro ou pelo bem querer, que repele os atos impensados ou inconseqüentes capazes de magoar quem se ama. Fidelidade não tem relação com o amor. O amor existe. Também ele é o que se constrói, o palpável, a atitude. Mas este é, além disso, uma emoção, uma ternura inquestionável, soberana dentro das relações, permeador dos “mistérios” da vida. O amor é abrangente, capaz de envolver muitas coisas e pessoas e ele é, por sua complexidade, capaz de coexistir com a maioria dos sentimentos: a raiva, o ciúme, a inveja, a admiração, a paz, a paixão, a complacência, a misericórdia, a dependência, a carência... A fidelidade não. A fidelidade é um ideal. É o ingrediente dos contos de fada, é a segurança do perfeito, do acabado, do completo. Mas o amor não é assim. A vida não é assim. O universo é o movimento. E o movimento jamais é completo, está sempre em transformação, distante do perfeito, porque não se sabe o resultado quando tudo gira o tempo todo e a magia está na transmudação, no novo. Por isso, sou pelo respeito. Pelo bem querer. Pela consideração ao parceiro, que não necessariamente deve ter acesso a todos os compartimentos de sua alma ou a todos os caminhos do seu pensamento, que, às vezes viaja por outras praias e delineia outros corpos e bocas, com a imaginação.



Fidelidade é uma meta, inalcançável nas relações de casal. E creio que até nas relações entre amigos. Porque mesmo os amigos mais queridos falham, e despertam no outro a queixa, o vislumbre daqueles defeitos, às vezes não ditos, pelo amor, este sim, maior, protetor. Ser fiel é para o ser humano, um distanciamento de si mesmo. Respeitar, não. Respeitar é reconhecer as limitações do movimento da vida e de sua característica falha, posto que humana. É considerar que, como a areia que muda de lugar, um pensamento libertino ou apaixonado, às vezes dura o tempo de um raio, e não merece ser dividido. Respeitar é saber que o outro, como o eu, tem seus “flashes”, seus repentes, seus segredos, e que, apesar de haver em nós sempre a tentativa da claridade a todo custo, o obscuro é elemento indispensável da convivência. Nem tudo deve ser partilhado. Porque, o soberano, é o amor. E o amor deve sobressair a tudo. Até à fidelidade. Que é a utopia dos casais apaixonados, impossível de perdurar, a não ser no que se mostra, no que, cuidadosamente se revela, com carinho e cadência, a quem se ama ou quer bem.

sábado, 15 de agosto de 2009

Segredo



Às vezes, as palavras, tão minhas amigas, tornam-se desnecessárias, supérfluas, vazias. Porque palavras não são tudo. Há um mundo que é obscuro, ou interno, ou escuso. É o segredo. O que acontece só dentro, em compartimentos. É tudo o que não se revela. É uma magia secreta, que acontece oculta. E o que acontece assim e não se divide, é como um traço. A diferença que faz no mundo, é só da energia que emana. Há coisas que acontecem dentro, e são como um sonho. No externo, só o que se sabe, é o que emana, no semblante que ri, na silhueta que dança, submersa nas ondas de calor das almas acesas. O segredo é o que falta no mundo. O contido, o assobio nos pensamentos, cantando sereno, secreto, o sorriso nos lábios, discreto: efeito do que se omite, mas existe. O que há por dentro e, em silêncio, acontece. O desejo, a idéia formada, a amizade velada. Segredo. O que falta no mundo. O mistério, o silêncio, a permissão de ser, à deriva de tudo, dos mares, dos homens, do julgamento, dos olhares e das palavras sem argumento. Onipotente até no absurdo.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Eu não tenho bula


O que é poesia?
Além de poesia só?
Um retrato de um sentimento
Que sem a escrita
Ficaria ao vento,
Etéreo, solto ao ar.
Poesia é só um pedaço
De um sentimento, de uma emoção,
Que sem o formato dos versos,
Nem pelo coração seria captado.
Poesia é uma fotografia.
Não é uma receita, uma bula,
De como funciona a pessoa.
Sequer uma dica,
De como passam os dias,
Como um “reality show”.
Poesia é só arte.
É brincadeira de palavras
Que julga o autor declamar.
Mas, como já disse,
As palavras têm sua própria vontade.
Não tente desvendar o poeta
Pelas frases que inverte,
Com rima e melodia.
Poesia é só um retrato,
É fotografia.
Sem ela, iria o sentimento
Ao vento, pra sempre,
Sem retorno ou contemplação.
Com ela, a emoção fixa-se eterna,
Estática, concreta.
Permanente, pelas estações.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Boemia rememorada

Muitas coisas misturadas: primeiro um sentimento de decepção, a desesperança ressurgindo intacta. Depois a amizade, o desabafo, a cumplicidade, o sentimento solidário tornando as coisas mais fáceis. E aí um brinquedo, uma identificação, uma leve boemia, novos rostos, que continuam novos porque são rostos de estranhos, que continuam estranhos, em um balcão. Adiante, ainda, o encontro, as semelhanças que repelem. Porque parecidas, assustam-se, separam-se, percorrem caminhos oblíquos, atalhos díspares pra mesma saída. E, ao final, a despedida ameaçada pelo desejo calado, pelas palavras contidas, melhor ditas no silêncio, no abrigo do toque, na ternura almejada, mas, por enquanto, apenas tocada pela intenção.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O amor pode ter muitos desenhos



O amor pode ter muitos desenhos.
Nunca podemos saber qual será.
Meu desejo era que a emoção do começo
fosse o impulso motriz.
Minha idéia era pegar a emoção e ir.
Com a força do início,
com a explosão de sentidos,
deixar-se levar e com a paixão
começar o amor que viria.
Mas o desenho do amor nem sempre é assim.
O amor pode ter muitos desenhos
e nunca poderíamos saber
que desenho tomaria o nosso amor.
E mesmo que ele não se erga
sobre a arquitetura que pensamos,
se ele de qualquer forma existir,
será o que planejamos,
sem saber que seria.
Mas também pode ser, às vezes,
que a paixão não passe de uma planta,
um planejamento, uma idéia,
que nunca levará cimento e pedra,
apenas areia e idéia.
Mas quem poderá saber
se o desenho que faz a paixão
tornar-se-á a estrutura
de uma história real?
O amor pode ter muitos desenhos
e também pode não existir.
Pode também o desenho
existir sozinho, por si.
O desenho que é só um plano,
um pensamento num papel,
ou num ideal qualquer.
Contudo ainda creio
que a paixão sempre será
o melhor desenho pra começar
um amor entre homem e mulher.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Esclarecimento

Esclareço: não é que a vontade seja ruim ou boa. É só uma conseqüência de quem quer muito, de quem não se conforma ou não se contenta com pouco. Mas, como se sabe, na vida o perfeito é o equilíbrio, é a medida exata, é a contenção dos instintos, não se deixar seduzir completamente pelas facilidades. Pena que isso me falta. O apetite é sempre maior do que recomenda o bom senso. E quando digo apetite, refiro-me a tudo. Refiro-me de novo à vontade. À vontade de que as coisas que eu gosto, nunca se acabem. O apetite não é só da comida, da qual gosto muito. Mas é também apetite de sol, que adoro: a energia do sol em mim, corando a minha pele, contra toda a ética da beleza. Apetite de mar, de água salgada na pele e nos cabelos até que ambos esturriquem. Apetite das pessoas que eu gosto, e dos amigos queridos, os quais quero sempre rindo, sempre de bom humor. Apetite de amor, de volúpia e de doçura, numa mistura quente e fofa, onde eu podia permanecer mergulhada por dias, sem respirar. Vontade de tudo o que gosto, de tudo o que é bom, sem medida, sem hora pra acabar. O desejo que me impele é tão grande, e o apetite tão farto, que é impossível não passar vontade. Sinto vontade de morar perto do mar, e de queimar a pele sob o sol todos os dias, entre meus amigos, todos sorrindo, e meu amor, que, por enquanto, não conheço mais. Sinto vontade de passar as tardes dormindo, preguiçosa, no peito de quem amo. E de conversar horas e horas, e brincar um monte, quando o assunto acabar. Sinto vontade de concluir as melhores e mais importantes coisas e dividí-las com sentido, entre tantos, entre muitos, todos que compreendam o que, no fundo, digo. Às vezes parece uma vontade pequena, uma busca imediata de consolo e prazer. Nem mesmo é um sonho, é só uma necessidade, uma procura, um combustível pra permanecer. Vontade. Apetite. Fome. E falta de limites para o prazer. Um pouco de vício, de preguiça, de culto ao ócio produtivo capaz de despertar os sentidos e o raciocínio para o motivo final, o objetivo comum. A realidade é bem diferente. Sigo na lida diária, como todo assalariado, atrás da sobrevivência. E podia ter muito mais do que tenho se, ao invés de entregar-me às vontades, que sempre serão maiores do que aquilo que posso ter, entregasse-me à perseguição de meus títulos, como reles batalhadora que sou. Mas o que posso fazer, se a vontade é tamanha? Sigo buscando satisfazê-la um pouco. Entre meados de lírica e louca. Tudo o que mais passo, é vontade. Mas tudo bem, faz parte de ser o que sou. Já alcanço o equilíbrio em muitas coisas. O processo de normalização já operou em mim seus milagres. Mas, de verdade, o que é a normalidade? Tenho uma amiga que diz que sua principal virtude é ser normal. E eu não julgo mal. Penso que ser normal é realmente bom. Ser normal é não questionar as regras, é viver encaixada no mundo, sem desconexão. É estar encontrada, confortável, serena. Meu sonho é a normalidade, é o estado de coisas em que as vontades serão poucas perto de todo o trabalho. O estado de coisas em que a pessoa relaxa, sem esperar nenhum novo acontecimento. Sem depender de um fato novo ou uma atitude do outro. Estou longe da normalidade. Meus instintos atormentam-me. E ainda, tudo ou quase tudo o que quero, não tenho. Tudo o que mais passo nesta vida, é vontade. Nem sempre será assim. Pode ser que ocorra a adaptação completa, o encontrar-me comigo mesma ou com outro que me encontre e me queira assim mesmo. Mas há a possibilidade de que estas vontades estendam-se folgadas, donas de mim por muito tempo ainda. Não sei se a adaptação deve vir antes que o conforto da serenidade, ou se a vontade deve ser suprida para que a adaptação aconteça. De qualquer modo, segue o dilema. E as vontades permanecem. Enormes. Vorazes. Apetite de novidades. Mundo de sonhos aqui. Talvez os mesmos que me impulsionam a criar, a escrever, a imaginar, a tentar desvendar o segredo, como Sócrates, como Weber, como tantos, como Sartre. Um segredo que não sei se serve à humanidade, ou só a mim e à busca de satisfação desta vontade. Porque, por enquanto nesta vida, o que mais passo, é vontade.

domingo, 2 de agosto de 2009

Vontade



Sorte de quem
Sempre tem o que quer.
Sorte de quem
Não passa vontade
E tem ao alcance
Sempre o que deseja
Sempre o que arde,
Na insatisfeita carne.
Porque, em mim, o que sempre
Sobra, é muita vontade,
Porque essa vontade é enorme.
Minha vontade é injusta,
Sempre faminta, disforme.
A vontade em mim é voraz
Por ela anseio o ócio,
Quando posso ter o que quero
- que não é valioso, esclareço,
Mas depende do outro.
Porque sempre quero o desejo
Sempre quero o corpo,
O beijo, o pensamento...
Quero tanto, quero tudo
Saciá-la seria absurdo,
Passo vontade aos bocados!
Mas o ócio é o que almejo,
Ao lado de quem quero,
De quem espero o desejo.
Tenho vontade de dormir
E acordar junto,
De amar e tocar e acariciar,
E de simplesmente estar,
Viciada que sou, em amor.
O que mais passo em minha vida
É vontade.

Mal humano ser resolvido



Mal resolvido... Quem com mais de 30, não será? Um pouco, pois sim!, porque muito está claro que é problema. Mas, quem não guarda em si uma dor, com a idade que tenho, é porque não viveu. Pois não há como viver sem perdas, sem marcas. Não há como viver sem amar, e tendo amado, não há como dizer que, em algum lugar, não exista algo mal resolvido. Porque também é de praxe que quem ama, vez ou outra, não seja correspondido. Ou que, havendo a correspondência, hora ou outra se acabe antes no outro, o sentimento nutrido. Mas, entenda-me, não é o mal resolvido daquele que não se decidiu. Mas o mal resolvido de quem convive com seus traumas, de quem, apesar de decidido, tem que lutar com suas falhas, e prosseguir. Mal resolvido porque o amor que acaba, pode, externamente, resolver-se. Mas dentro sempre fica o que faltou, o que se quis e não se teve, a figura do outro, que morreu. O mesmo outro que, ao conviver contigo, transformou-te e, ao deixar-te, transformou-te novamente, no que hoje você é. O mesmo outro que foi objeto de teu amor e de tuas juras tão eternas, e que se indo, levou consigo promessas e intenções mal resolvidas. Estas, mal resolvidas, porque nunca se tornarão concretas. Nunca terão correspondido ao que, um dia, resolveu-se que seriam. É de bem que sejamos mal resolvidos, porque esta é a estrada do homem. Juntar seus cacos, desenhar sua história com muito do que realizou e com tudo o que sonhou sem ter realizado. É a junção destas duas coisas, o ser humano. O mal resolvido ser humano. Mesmo o mais ligeiro, mesmo o que não olha pra trás e jamais revê seus atos. Até esse, no fim, terá sido tudo o que resolveu ser e tudo de mal resolvido que o conduziu a ser o que ele foi.