terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Quero mais muito mais


Quero mais muito mais
Quero tudo
Como é que se faz pra ter paz
Neste mundo
Quero o Himalaia
A Índia
O Hawaii
A Indonésia
A China
Você aqui
E que tudo seja como um sonho
Quero dormir acordada
Sentir a madrugada o dia inteiro correndo nas veias
Vem nimim mundo
Quero tudo e mais um pouco
Vem nimim mundo
Da tua orla, o meu cafofo
E que tudo seja como um sonho
Quero nessa estrada
Sentir a madrugada o dia inteiro correndo nas veias
E se acaso o mundo acabar
Eu disfarço e sigo a andar
Não é à toa que se fez assim
Redondo e sem começo nem fim

Quero mais muito mais
Quero tudo
Como é que se faz pra ter paz
Neste mundo
Quero o Himalaia
A Índia
O Hawaii
A Indonésia
A China
Você aqui
E que tudo seja como um sonho
Quero dormir acordada
Sentir a madrugada o dia inteiro correndo nas veias
Vem nimim mundo
Quero tudo e mais um pouco
Vem nimim mundo
Da tua orla, o meu cafofo
E que tudo seja como um sonho
Quero nessa estrada
Sentir a madrugada o dia inteiro correndo nas veias
E se acaso o mundo acabar
Eu disfarço e sigo a andar
Não é à toa que se fez assim
Redondo e sem começo nem fim

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Vazio

Este imenso vazio não é culpa de ninguém, de nada. Existe sozinho, sem interferência ou pedido. Existe... Por si. Só. Uníssono.
Este vazio abismo, oco, surdo. Este vazio... Vem em mim sem mais, sem assunto, e fica. Sente-se em casa, põe os pés no sofá, fuça na geladeira.
Este vazio se beneficia do veículo que me separa do outro a caminho de casa. A caminho...
Se a cidade fosse menor, eu andava, e podia ser que esse vazio se perdesse, enfim.
Esse vazio às vezes enche.

Uma mãe dessas com quem se pode chorar

Eu queria chorar no ombro de alguém agora. Chorar até ficar oca. Eu queria uma mãe dessas com quem a gente pudesse chorar... Mas a dor que eu sinto é também a ausência, o desencaixe, este sentimento inevitável de solidão que só quem não tem com quem chorar, conhece.
Eu fico sentada entre as pessoas, entre desconhecidos, à procura de algum consolo. Mas esta cidade me é tão familiar que nem a multidão me reduz ao mínimo. Sinto como se sempre me soubesse parte dela e como se cada um me acolhesse, até no alheamento.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sunset


O sol cai redondo no meio do mar
O povo sem roupa senta pra assistir
Se junta pra aplaudir
O sunset

A natureza assobia
Um axé da Bahia
Em volta, alegria
Não importa o que haja

Vem correr na brisa
Moçada boa
Cantarolar ao vento
Ser lilás

Ser lilás
Ser lilás
Ser lilás
Pra quê mais

O escuro anuncia
O brilho da lua
Maré se recolhe
A noite se faz

Luz do seu olho
É a que me ilumina
E a maresia sopra em
Lilás

Bem lilás
Bem lilás
Bem lilás
Cor de paz

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Tudo demais

um batuque chato 
: angústia
e muito cansaço
de tudo, do mundo
a vida escorre
eu não me importo
pra quê tanto assunto 
em vão?

Meu mundo

O mundo te chama???
...
O mundo me chama
Ele diz: vem-vem, vem!
Mas não me diz vai
Ele diz fica-fica, entra! 
Não sai
O mundo pra ti é fora?
Pra mim, o mundo é mais
Por tons de rosa e paredes
Dou a volta e não saio 
De mim, jamais.

domingo, 14 de outubro de 2012

Ciranda da morena

Vem cá girar meu bem
Roda essa saia vem
Tinge esses lábios
Pra beijar também

Me oferta suas costas
E sobe o cabelo
O cheiro deles, sim
Me leva além

Na madrugada alta
A maquiagem solta
E no suor
O seu vestido cola

Esse olhar faceiro
Esse gingado estreito
O mundo inteiro
Senta pra te ver

Desce morena lisa
Até os tornozelos
O seu segredo
Ninguém vai saber

Esse seu peito inchado
De barulho e medo
Quem suspeitará
Aí haver?

Roda morena solta
De cabelo ao vento
Close perfeito
Cena de cinema

Dançou descalça e alta
Pôs o salão ferver
Agora chega!!!
...

Olha pro lado e vê
Ali está seu nego
Desaba nele
E sai à francesa.



quarta-feira, 10 de outubro de 2012

CANTOR TRISTE


Tanto brilho sobre mim
O escuro transcendi
Neste palco de sorrisos, aplausos, gemidos
Tanta gente a ouvir
A dançar e a florir
Nesta valsa de um amor sem porquê, sem destino
Tanto olhar
E sonhar
A correr por cenários vazios
A canção que eu canto
É regada em pranto
E uma dor silencia
Se o espaço se ilumina e então o show acaba
Volto pra casa sem ti


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Eu pensei que o amor era tudo.


Eu achei que amor era andar junto.
Dei a mão e fui.
Mas depois de um tempo doía
Entre os dedos e nas juntas,
Saltava uma veia na testa
E entupia uma artéria.
Eu pensava que o amor era tudo
Até que não tinha mais nada.
A dispensa estava vazia
A casa abandonada.
A poeira, os livros cobria,
E o telefone vinha mudo.
Eu considerei o amor
Um ente superior,
Uma membrana bem fina,
Uma criança tão frágil.
Eu tratei do amor
Como quem rega uma planta
Todo dia, sem cessar,
Até que a terra encharca.
Mas o amor não era nada
Daquilo que eu cogitara.
Era só um dia de sonho,
Uma cor suave,
Uma risada.
O amor não era de levar,
Sequer deter entre os dedos,
Então larguei mão e o deixei
Solto, ao sabor do vento.
E pra trás também ficou
O que era dor,
O que era medo.
E só então descobri:
Que o amor não era nada.
Só uma nuvem branca
Que vai. Que volta.
Que passa.

Ô Sicrana!...

Sicrana.... vem cá! Senta aqui um pouco com a gente. Tá cansada, é? Tadinha... Tão estranhazinha. Reclusa. Ô sicrana, por que és assim, hem? Esse seu jeito acabrunhado, que não combina com ninguém. Por que vens mesmo assim, hem?
Sicrana tinha um jeito caipira, de bocó, de quem nunca sabe o que dizer e morre de vergonha. Vinha de uma terra de pó vermeio e poeira. De um tempo em que se pedia benção ou se apanhava de cinta. A sicrana era branquinha, mas tinha os cabelos de ferro, como os de uma negra.
Sicrana não se aprumava, estava sempre calada, sempre com falta de assunto e por tudo chorava. Inda mais se alguém perguntava por que motivo aquela cara.
Sicrana queria um buraco, pra se enfiar bem fundo. Queria um lugar escuro pra estar em paz. Sicrana estava à vontade no canto, no mato. Não gostava de luz branca, nem de muito barulho.
Preferia ficar ao ar, da natureza junto. Porque esta sim valia aquela tola lida: estar ao vento ou lavando a roupa com água de mina. Um cachorro latindo lá longe, uma galinha perdida pra espantar do caminho.
Sicrana vem jantar, sicrana vai à missa, sicrana vem cumprimentar e servir as visitas.
Sicrana insistia consigo, queria estar com os pares. Mas toda vez que tentava, era um tal de o que é que há, era um tal de o que é que tem, era um tal de vamos falar, está com dor, tá tudo bem, que logo ela desistia e queria ir correndo pra casa. Regar as plantas, chorar as mágoas, sem cogitar mais nada.
Sicrana não entendia pra que tanto assunto, pra que tanta prosa, piada. Sicrana escutava ao longe, por trás dos morros, entre as árvores. Sicrana não precisava explicar todo o tempo tudo.
Sicrana era mal vista, tomavam-na por atormentada. Mas ela pensava que era qual uma cabra, uma ovelha. Como esses bichos que só vivem e pastam, sem mistério, sem porquê. Sem conversa, troça, baile, namoro, dor, adultério.
Sicrana às vezes queria ser como Fulana de Tal. Usar vestido e maquiagem, passar creme, ser assediada. Mas por mais que quisesse, não era do seu feitio dizer tanto, querer tudo.
Sicrana bem no fundo gostava de ser um bicho do mato. E via as coisas de fora, como se as visse do alto.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Do que as poesias são feitas


Poesias são qual sonhos
feitas de pedaços, morangos, cremes, assoalho
brincadeiras de correr no escuro
Não tem lógica, nem sequência
um filme de Glauber Rocha, um clipe de música
Poesia tem nuances tantos
e curvas
cores opacas e ruas que nunca se viu
São como sonhos em que se mergulha de roupa e tudo
Nelas se flutua, afunda, trepa
com dois ou mais, ou por arestas desconhecidas
É uma loucura bem-vinda
uma tela de Picasso, um jardim de mato alto
Uma noite de lua na floresta
sozinho

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A morte é muito viva


Alguém apertando meu coração
com um enforcador
um fórceps
eu mal respiro
meu útero dói
a morte se aproxima
parece ter aceitado meu convite
e vem macia no meu corpo
pequenas pontadas no meu baixo ventre
a partida estaciona na minha soleira
e eu me deito nela
já não existe aquela força, aquele riso
aquela maldita no meu coração
foda-se a esperança
o nada é muito mais doce e pacífico
tem a cor mais bonita
a viscosidade lânguida
do enigma

Noturnidade


Eu odeio violetas, margaridas,camélias, hortensias.
Eu odeio flores nas pessoas. Quando eu morrer, quero estar nua.
Vestir apenas minha pele.
Pelo menos uma vez na vida, autêntica.
Não quero o perfume da vida no meu cadáver.
Quero finalmente a morte, só a morte em mim. Unânime, absoluta.
Não me façam sorrir, não me cubram de qualquer coisa, das suas lágrimas vis, da sua mentira.
Deixem as flores em paz.
Joguem-me ao mar, pelada. Só a água salgada e as ondas honrarão o meu desejo: nadar em pêlo para o fundo, para o que há de mais noturno.
Sem pensar em volta.

A africana


A africana

Ela andava por aí
Os cabelos imóveis
Nem o vento, nem a chuva os tiravam do lugar
Cabelos afro...
Mas as ideias SEM FRONTEIRAS
Navegavam como areia
E às vezes paravam numa duna,
Às vezes num deserto
Às vezes, numa ampulheta
Mas mesmo assim, qual o tempo
Andavam
Escorriam constantemente
Como aqueles dedos que um dia
Perderam-se nas entrâncias
Dos seus cabelos negros
...
E ninguém nunca mais achou.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Tudo e pouco


Tudo
muito
sobra
e ainda
dá qui, o mundo
voltas
e afloram
curvas, folhas, horas
dá cá páginas em branco
assunto
e coisas que não cabem
frutos
gotas
sumos
e beiradas de areia e granizo
muros e degraus de vidro
entra, senta, fica
toma um café
e então
pega chapéu
cajado, vida
e parte
com seu riso
névoa, rastro
premia-me com o vazio
o silêncio
o infinito
pouco
é o preciso.  

Assombração


Olha pra mim
estou aqui sentada como sempre
à sua porta
espero saíres devagar, sem ruído
pé ante pé
pegar o casaco, a marmita, tirar o carro
“oi!”
olha
não saio deste lugar aqui
é interessante atrás do muro, as rãs escondendo-se do dia
encolhidinhas
olhos friccionados, pele enrugada
entre folhas, nos buraquinhos
e eu aqui
só pra te ver
espio
assobio até
pra ver se tu me notas
mas não queres me ver
pensas que sou um passarinho
desses tantos passarinhos que pousam por cá
e arrancas com o carro
...
vai
amanhã de novo espero-te
nesse lugar escondido
entre pedras
baldio e poético
uma brecha
uma chance pra você
distante uma nuvem negra se adianta
você parte, ela vem - eu
permaneço.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Coração camuflado

Eu invejo os corações que não ardem, aqueles corações serenos e estáveis. Aqueles corações que se contentam em ficar, ficar, ficar, porque sabem que o ficar é sempre tão passageiro. 
Mas meu coração não é assim. Meu coração é inflamável e requer adicional de periculosidade. Incendeia tudo - a mim primeiro.
Por isso ando por aí, craquelê de cinzas, vulnerável ao primeiro sopro. Já queimei inteira. 
Então fique longe, não se aproxime. Você vai querer que eu entenda, vai querer que eu reflita, que eu esteja. Mas eu... eu sou apenas os restos da fogueira.
E tenha cuidado! As cinzas têm calor, ainda queimam, além de poder sujá-lo inteiro com a fuligem da minha resistência.
Você pode sentir-se na trincheira, com o rosto enegrecido, camuflado, se você disser e se você tentar e se você quiser e se você teimar e se você soprar.
E tudo virá contra si: uma poeira quente e intensa, capaz de sujar, de queimar, de entupir seus ouvidos e olhos, os seus buracos corpóreos.
Jamais de perdoar, entender, esperar.
Sinto muito. Eu queria ter um coração em paz. Mas o que ficou em mim são só vestígios e pó. Só as brasas, só as chagas, nenhuma dó.

domingo, 19 de agosto de 2012

COREOGRAFIA DO DESTINO


Sabe dançar, se embala
Eu não sei
O amor é uma palavra bonita
Fácil de rimar
Sábado, um bom dia
Quero uma saia florida
Que no chão arraste
Minha identidade não passa
Recito
Mas você gostava que eu gritasse?
Seu corpo vai redondo
Amanhã é domingo
O som é grave
Talvez um tiro?
O despertador me acorda
Com único tinido
Pim!
Cai aqui
Nas minhas cadeiras sem rebolado
Me xinga com coragem, sem pudor
Tipo Paula Miasato
Quem não quer?
Seus nojos não convêm à libido
Me beija saliva
Me lambe sorvete
Se derrama, vai!
A que veio essa dança?
Encara
Não requebre à toa
Os balés exaurem
Vê se me erra
Ou deixa de coreografia.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Bolha de sabão


Uma bolha de sabão
Kraft Kraft
Daquelas gigantes que se inflam com cordas e engolem gente
Era essa a viagem
Pousou na calçada, desfazendo-se
A água era quase nada
E o sabão apenas o brilho azul na lembrança
Sua passagem, um devaneio
Veículo de estrutura leve
Pr’aqueles sonhos mais breves de se realizar
E a moça sem dentes
Kraft Kraft
Não tinha cabelos, nem mangas
E sorria com as mãos enquanto movia as cores da bolha no ar
Só uma criança banguela
A moldar um círculo que evapora
Enquanto sorri
Pluft 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Cabo do Espichel


Estrada de alfazema e alecrim
tão perto das estrelas fica aqui
um despenhadeiro em cores claras
se estende
e toda gente pode ouvir
divino tambor de águas
estrada de poeira e alecrim
do alto, a ribanceira ri de mim
à beira do oceano
vejo como um filme
planos e sonhos
passando
à volta de Sesimbra
vindimas e finos sabores
com olhos no azul
que perpetua o horizonte
rumamos pra vida de antes
além-mar
e as lembranças e os pores-do-sol
ressurgem
numa serenata de adeus
estrada de areia e alecrim
encerra este caminho
e remete a uma era de dinossauros
fica meu rastro sobre essas pegadas
levo as falésias e o Sado
cobiço um fado
até à vista, Portugal

terça-feira, 31 de julho de 2012

O lugar das dores


As coisas de novo
Perfeitas e mudas
Músicas

Reconheço todas
E beijo
E deito

E depois do cobiçado abraço
Suspeito
E vejo

Não é que o lugar das dores
Permanece o mesmo?


terça-feira, 5 de junho de 2012

Por que você chora


Você chora sem saber por quê
A madame sofre sem nenhum motivo
O adolescente quer o que não tem
O neném resmunga pedindo por leite
Aqui, ali, em todo lugar
Falta em nós sempre alguma coisa
E assim é porque no mundo inteiro
Ainda abunda o que fere e é feio
Enquanto neste aqui ou n’outro canto
‘Inda houver fome, angústia, desalento
Mesmo você que está longe de tudo
Irá sentir um buraco no peito
A humanidade é um organismo imenso
Se qualquer parte dele adoece
Também padece o que resta ileso
E é por isso que o rico e aquele
Que mora em um lugar desenvolvido
Por dentro chora, mesmo indiferente
E sente em si um vazio latente
Enquanto houver em cada continente
Quem não possua em casa alimento
Ou mesmo água a sair da torneira
Quem sinta dor e nenhum cuidado
Vindo de médicos ou do Estado
Ainda haverá no mundo tristeza
E em cada homem uma incompletude
Lágrima que não se sabe d’onde veio
Uma chaga aberta que na alma aumenta
Pois desconhece a causa matreira
Quem não reflete bem o universo
E ignora nossa natureza
: Que cada ser humano é uma célula
Parte pequena de único corpo
De mesma importância - equivalência
Torne-se a Terra um lugar equânime
E então será a alegria inteira
E a felicidade que tanto sonhamos
Não mais apenas uma passageira.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Este ciúme

Um filme de terror, uma nuvem cheia de chuva
Os pensamentos em redor plainando - escuros, terríveis
Seu olhar se derramando em volta, por tudo
E você me escapando, como o tempo na ampulheta de vidro
Ergo as mãos pra cobrir o rosto, de dor envelhecido
E meu peito batuca, maltratado, sem vida
Arremesso pro ar verdades invencíveis
Deixando fora da porta, a felicidade que vinha
Que dançava, rodopiava nos cômodos vazios
Bendita a hora em que se quis ver o que a caixa continha
Rasgar o papel, desembrulhar a surpresa, encarar o presente
Todo aquele enfeite bonito e bom de ver, ao lixo!
E o que se queria - nunca aquilo. Sempre uma coisa mais bonita.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Toda tentativa de controle é vã


Abaixo toda tentativa de controle!
Não adianta nada,
Não leva a lugar algum.
De que serve essa preocupação toda?
Par que esse lugar comum?
Solta essas dores!
Desamarra os cadarços em nó
Que prendem seus sapatos um ao outro
E não te deixam andar!
Abaixo o medo de cair!
A vã intenção de determinar
Por onde os passos vão.
Não se prenda mais a esse ciúme vil,
Ou a qualquer outra besteira que te faça pensar
Que algo neste mundo cão
Está nas tuas mãos. Nada está!
Tudo é mágico e imprevisto!
Pule as poças, veja a previsão do tempo,
Mas esteja preparado
Pras quedas e tropeços,
Pros ventos do leste e do sul
Que te arrastam os chapéus
E te mudam o curso.
Para de tomar sempre a frente de tudo!
Deixa a vida no domínio.
Entrega seu destino
Ao primeiro raio de sol!
Abandona essa arrogância de prever,
Essa vontade louca de agarrar.
Deixa o vento soprar
Pra onde tiver que ser!
Se larga pra viver
Afinal em paz.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Verdades de vagalume

Até que ponto
maremoto
em que velocidade
tempestade
de muito longe
tanta saudade
de muito alto
a terra é plana
traçar as linhas
imaginárias
tirar medidas
dos quatro cantos
em qual das partes 
fica a verdade
será que é cara
ou vale nada
qual o semblante
que não se guarda
a nuvem branca 
já não traz água
e se escurece 
o céu à noite
dançam no breu
esguias sombras
no pano negro 
da madrugada
mais preciosa
a luz da lua
e dos nuances
de cor escura
ergue-se mármore
matéria dura
e piscam à volta
verdades novas
intermitentes
qual vagalumes

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Estranho tempo


Essas horas
Estranho tempo
Que anda cada continente
Num passo
Revezam os raios de sol
Nas faces do planeta
Corre a vida num intervalo
Se deste lado já é dia
Do outro, estás dormindo
Nos hemisférios de mim mesma
A dimensão do tempo
Entre nós, o futuro
:Só um lugar a mais
Em que ainda não se chegou
Tão estanque e estável
Como a África
Ou a América do Sul

terça-feira, 24 de abril de 2012

Como pedir os sonhos


aprendi
limpar casa com esfregão
apreciar polvo
não chamar português de moço
assar carne de porco
que 'caixa' é queixa
legal é fixe
gerúndio não existe

aprendi
que não entendi é não percebi
usar a segunda pessoa
camiseta é camisola
ênclise não é só história
e creme de leite são natas

aprendi
a ser direta
pôr a mão na conXiência
que linguiça é chouriço
francesinha leva enchidos
que tomadas são fichas
e a luz se abre, não se liga

aprendi
que "beleza" é esquisito
água sanitária é lixívia
pastelaria vende doces
e aqui não há açougues, mas talhos

aprendi
a pedir os sonhos:
dá-me essa bola
de Berlim

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Romance de TV


Não sei se tu és pra vida
Quem me dera saber
Tanta gente eu pensei não partisse
E levou a maré
A vida às vezes faz isso
A gente pensa que pode ver
E ela mostra que além não se vê
Tantas vezes eu ouvi juras
E tantas vezes ouviste também
Mas parece que o futuro
É qual moleque travesso
Acontece do jeito que quer
Carrega o ‘pra sempre’ no bolso
E só entrega a quem entender
Se tu te adiantas, não sei
Mas tenho esperança
Seja este não saber
Uma carta na manga
Pra ganhar um romance de TV
Que dure até o envelhecer

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Perto do mar



Rodam pneus na estrada
Penso em seu nome
Seu jeito de rir de mim
Suas palavras tão sábias
Solidão é não te ter aqui
Com você não há lágrimas
Caminho léguas e léguas
Subo escadas
-Um mundo velho à palma-
Emociona mais o mar
Batendo nas pedras
Em algum lugar do outro lado
Está você, te amo tanto
Você é minha casa
Vem cuidar de mim, Mariana
Meu sítio é contigo, quero te abraçar
Me fazer outra vez teu abrigo

sábado, 31 de março de 2012

Segredo

Não dá pra saber a influência
Que a gente tem sobre a vida.
Se a ela só segue sua sina
Ou se é a gente quem dita.
Se há como driblar a tristeza,
É tanto segredo que ninguém
No mundo domina o engenho.
Só tenta, tenta. Gira, gira.
E dá com ela de frente
Numa ou noutra esquina.
Pensa, pensa e não desvenda:
Se a vida é assim mesmo
Ou se existe quem decida
Pra onde rodam os ponteiros.
Pra que lado mora o passado
E o presente onde fica,
Se a cabeça se divide
Entre o que está atrás e não volta
E o que está adiante e não vira.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Flor de amendoeira


As amendoeiras estão floridas.
São caprichos róseos
À beira do caminho.

Palpita, por dentro, a mística
Do branco de algumas horas,
Como pétalas espargidas.

Em desertas ruas pacíficas,
Escapam notas eruditas
De coisas simples da vida.

Das mais simples,
Coisas simples,
Da vida.

Sem rédeas

Cabe a mim escrever o mapa
Das ruas que ele deve trilhar.
Levantar as paredes da casa
E o cabo do guarda-chuva
A fim de o abrigar.
Cabe a mim escrever as regras,
Delinear o rito.
Sem minha pena incisiva
Sobre nossos caminhos,
Não existe lugar
Nem nada além do destino
Conosco a brincar.
Se lhe permito tema livre,
Só desenha rabiscos!
Desperdiça tempo e tela.
Antes o virgem do branco
Que ele, perdido, sem rédeas.

AMOR ETERNO

Amor eterno não se jura
Não cabe às gentes
Prever as agruras
O pra frente é sempre oculto
De esconjuros, reduto

Não se jura o amor infinito
Por mais que seja bonito
De o dizer, de o valsar
Por mais imenso o vazio
Da alma que lho queira jurar

quinta-feira, 15 de março de 2012

A melhor pessoa do mundo

Se alguém me perguntar
Qual no mundo, a melhor pessoa
- Não tenho dúvida:
É uma criatura única e tão boa
Que se por aí eu andar à toa
Sem saber por que ou pra onde,
Não vendo sentido em nada,
Respiro os ares da infância
E me vem sua figura.
Por si só é uma dádiva
Ser companheira de jornada
De homem tão amável,
Sensível, delicado.
Não haveria melhor motivo
Pra levar adiante a vida.
Ser sua filha é ser felizarda.
E levá-lo sempre comigo,
Por mais ermo, o caminho,
Um prêmio sem paga.

terça-feira, 13 de março de 2012

Olhos amarelos

Como um leão de olhos amarelos
Ele deita sua juba castanha
Nos meus cabelos
E aquele detalhe de lábios
Torcidos para o lado
Se revela
Ele deita e rola
Me experimenta e absorve
O sabor das  palavras
Me hipnotiza com olhar dourado
Pétalas de girassol
Que me percorrem e rodam
Pela minha pele e pernas
Como um leão domado
Ele assenta
Sobre o monte mais alto
Delineia-me os seios
E brinca
Com as sobrancelhas
Diz-me coisas doces
Mesmo sem dizer nada
Iluminam-me o dia seus raios
Que irradiam feito cachos
Luz do dia

segunda-feira, 12 de março de 2012

Pirlimpimpim



Ele sonhava com borboletas que andavam, com cogumelos falantes, fadinhas peitudas rodeando girassóis malvados. Ele imaginava coisas impossíveis e lugares esquisitos de cores berrantes e paredes de vidro, corredores na transversal, como labirintos. Desenhava sapos voadores e morcegos escarafunchados na terra, como tatus. Falava com as violetas dispostas na janela e fazia com elas bailes de debutantes, em que todas dançavam sozinhas e nenhuma tinha par. Ele andava a um palmo do chão e no vão entre seus pés e a realidade ele criava coisas inimagináveis, alucinações repletas de encanto e faz-de-conta. E, então, depois de um dia cansativo entre todos os personagens e territórios perigosos que criava, ele escrevia, concentrado e leve. A verdade é que ele só sonhava coisas esdrúxulas pra vesti-las de rimas. Até o dia em que uma menina de pele cor de rosa e cabelos azuis, virou pra ele seus olhos cor de abóbora e perguntou, por que ele não experimentava viver alguma coisa de verdade e depois escrevê-las (?). Afinal, quando se escreve qualquer coisa e ela vem pro papel, ela já se torna, por si só, uma ficção, uma história encantada que se pode transformar no que bem entender. Ele então o fez. Viveu três dias seguidos como as pessoas normais, mas não tinha vontade de pegar a caneta e passou a dormir às noites. Até que um dia, depois que sua mãe gritou lá de dentro: menino, para de sonhar senão você não vai ser ninguém na vida, ele pensou que não estava sonhando e que era impossível, àquela altura, não ser ninguém na vida, já que ele estava vivo e era filho dela. Então percebeu, não é que a menina cor de rosa tinha mesmo razão? A vida real já é uma história e tanto. E quando ele começou a escrever sobre coisas banais, como atravessar a rua, cortar o pão pela manhã e vestir-se pra escola, foi só pra fazer todo mundo ver que o mundo todo sonhava, porque a rotina, mesmo sem monstrinhos coloridos e meninas voadoras, já era um delírio bem grande. Ele já não sonhava pra escrever, ele escrevia e a realidade se tornava, então, um sonho tão rico quanto os países sem fronteiras que ele criava, repleto de loucuras e amores platônicos, ternuras e pavores intermináveis que ele coloria sem medida e embrulhava em versos. Quando, no futuro, os outros liam as coisas que ele escrevia, pensavam: como pode ter imaginação tão fértil??? Mas que coisa! A gente se põe a viver e ninguém pode acreditar que aquilo não é nada demais, só a vida. É... o papel transforma o cotidiano numa coisa mágica e quem lê, com olhinhos aguçados e empoçados de mesmice, ilumina as palavras com pó de pirlimpimpim e pensa: se eu pudesse escrever algo assim, punha-me a viver! Ah... se todo mundo soubesse...!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Seus traços

Seu sorriso largo, de gengiva à mostra. Sua risada em momentos impróprios ou de coisas que a gente normalmente não riria. Seus cabelos finos, de duas cores, que você põe bobs quentes aos domingos, pra encheiar. Suas mãos bonitas, de dedos compridos, artísticos... suas unhas largas, quase sem cutícula.Suas cochas grossas de pele branca. Suas canelas finas a contrastar. O queixo anguloso, os olhos brilhosos, de pretos cílios. Seu jeito de cantar: agudos para o alto! Sua alma entusiasmada de melodias. Seu organismo frágil, sua cabeça que dói, seus dedos que tocam ligeiros as cordas da viola. Sua autoridade intimidante. Sua atividade constante. Sua entrega à família, ao trabalho, a Deus. Sua comida... O cheiro das suas gavetas. Sua voz grave de amanhecer. Sua pele fininha. Sua autenticidade, sua simpatia, sua simplicidade que cativa, seu calor que incentiva, sua vidência de mãe. Sua direção irrepreensível, seu andar devagarinho, seu toque raro, que te valoriza. Suas escolas, seus alunos, suas aulas, suas mestras, suas festas. Suas roupas de ficar em casa, suas novelas. Sua sonequinha da tarde nos braços do seu homem, meu pai. Seu ventre, seu semblante, seu colo: berço e oásis de vales e montanhas, de nuvens brancas e tempestades. Sua coragem e força de acreditar: nela adormeço envolta como nos charutos da infância, sua criança. Prossiga.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

DOCE NA VIDRAÇA

Um sonho em que não se acredita
Às vezes vinga, mas jamais torna
A ser bonito como a cobiça fora de hora
De um doce, por uma criança
Pedras e areia sob os sapatos
Pés doloridos de escalada
Arcos pendurados sobre a cabeça
E meninos escondidos sob togas
Pretas da maturidade que brota
Entre as paredes da universidade
Olho o horizonte e vejo casas
Que se sobrepõem nos morros
Umas sobre as outras, em alvoroço
E um laranja que se deita sobre azuis
Tão insossos quanto o gosto 
Da língua cortada de fiapos
Pelas frutas típicas penduradas
Nas árvores pequenas à beira da estrada
Continuo olhando a imagem sem tocá-la
Como atrás de uma lente fotográfica
Como o doce por detrás da vidraça
No bar da infância recriada

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Um Mondego de saudade

As pontas dos meus dedos estão rígidas e cascudas
Uma aspereza encruece minha pele das mãos e do rosto
A frieza é densa em névoa e me apaga
A face entre semblantes avessos a risada
O mundo é outro e as estradas fazem-se cegas e surdas
Às minhas queixas acerca de sons e letras mudas
Que faltam ao vocabulário
Pro meu álbum de figuras e dramas
Muitos espaços e nuvens
Xales, cachecóis, gorros e luvas
E oceanos que se aprofundam em minh’alma
Submersa num Mondego de saudades
Da minha gente, das roupas curtas e das cores
De seus fevereiros
Quando subo as escadas de quatro lances
Em monumentais e mínimas pisadas
Deparo com paredes e estátuas antigas e duras
Tão longe do romanceado das ruas
Que eu desenhava na distância

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Chaga

O que seria de mim sem você?
Sem esta fenda aberta e que grita
Ninguém me poderá entender
Talvez um paquistanês ou alguém
Que não desabone paladares agridoces
Quem poderá estar comigo
Sem estranhar o amor que tenho
Por você, minha ferida
Portal pr’um um universo paralelo
Habitat de seres ininteligíveis
Que se comunicam através de antenas
Como baratas nojentas, que voam
De encontro às ondas invisíveis
Que alimentam os medos
Quem além de mim contempla
A cicatriz com apego?
Quem por aqui vive em paz e até implora
Pela inglória das próprias quedas
Pela ferrugem que emperra
A engrenagem das portinholas
Quem além de mim pode entender
Que o jardim morto do pretérito
Está vivo em outras cores
Quem cultiva uma chaga
Como uma ponte pra alma
Quem não subestima as dores
Quem não se aparta das falhas
????????????????????

Chaga

O que seria de mim sem você?
Sem esta fenda aberta e que grita
Ninguém me poderá entender
Talvez um paquistanês ou alguém
Que não desabone paladares agridoces
Quem poderá estar comigo
Sem estranhar o amor que tenho
Por você, minha ferida
Portal pr’um um universo paralelo
Habitat de seres ininteligíveis
Que se comunicam através de antenas
Como baratas nojentas, que voam
De encontro às ondas invisíveis
Que alimentam os medos
Quem além de mim contempla
A cicatriz com apego?
Quem por aqui vive em paz e até implora
Pela inglória das próprias quedas
Pela ferrugem que emperra
A engrenagem das portinholas
Quem além de mim pode entender
Que o jardim morto do pretérito
Está vivo em outras cores
Quem cultiva uma chaga
Como uma ponte pra alma
Quem não subestima as dores
Quem não se aparta das falhas
????????????????????

INGÊNUOS

Tu olhas pra mim e desdenhas
Já não sou tão bonita amassada
Com sono, com fome, prenha
Eu já não sou a mesma, tu lamentas
É todo dia a mesma coisa, o mesmo lenga-lenga
Os lençóis nos envolvem
E a gente acorda ébrio um do outro:
Maldita intimidade!
Varro teus pentelhos e tu recolhes minhas unhas
Insultos cara a cara, olhos nos olhos
Verdades face to face. - Pra quê?
Só quero mesmo te comer
A gente almoça e passeia
As mãos de um no outro
Com carinho, depois com desejo
Já não nos lembram, os desaforos
Teus olhos doces iluminam-me o rosto
E teu corpo me acolhe qual um cobertor
Tu te refugias em mim, dentro
Onde não há palavras e nenhum argumento
Que me desabone
E então eu te amo! Sou, eu, a perfeita
Sua musa, seu tesouro – perdoe-me!
E não me importam teus cheiros, teus hábitos
Teus pêlos pela casa
Sou tua estufa então, e vem-te a vontade
De, em mim, cultivar flores
Orquídeas de todas as cores
Pinheiros sem folhas, imensos e eretos
Pelo horizonte
Beija-me com hálito de álcool
Quer que eu seja tua casa
Rodeia-me de águas; tua ilha particular
Levanta teus tijolos, repleto de sons e doces
E me exalta: Rainha!
Até que eu fale e volte a ser
Só uma mulherzinha arrogante e difícil
Sozinha aos trinta e cinco
Ninguém te pode suportar! Você manda demais!
E eu acho lindo teu jeito mau
E dou-te um beijinho
Pelo chão se espalham as ruínas
Da casinha que levantávamos
Com ímpetos de adentrar ao céu, num vôo
Como um passarinho destemido
À procura do êxtase infinito
No buraco negro do amor

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

TEMPO DE AMY


Se eu ouço a Amy, teletransporto-me pra um buraco no tempo, nem passado, nem futuro, algo num intervalo, numa fenda entre o agora e uma cena não editada de uma fita. Uma rima bonita sem encaixe no texto, que a gente elimina sem dó e fica no ar, rondando como lixo na atmosfera, em volta dos satélites da Terra e as estações da Nasa, no espaço.
É tudo tão frio que a gente respira como quem fuma, soltando fumaça.
Um homem passou com uma prancha de esqui e me pareceu um skate comprido, mais charmoso. Afinal, o branco é uma cor fina. A neve só poderia ser chique.
Ninguém usa o futuro do pretérito, este tempo de poeta, tão Amy Winehouse, nestas terras altas, cheias de colinas e concreto duro de outros tempos. Ninguém usa gerúndio, como se nada estivesse em andamento enquanto se vive, como se só houvesse os tempos definidos e todos os outros, interstícios, passassem despercebidos.
Quando ouço Amy, penso num filme em preto e branco ou numa ópera. Penso em negros de subúrbios americanos e em cabelos brancos de novos amigos. Penso em cinema, arte, o obscuro, os motivos, tudo que a gente não vê e nos move, tudo que fica ao redor e não se absorve.
Penso no que é bonito, mas passa. E nos edifícios que nos envolvem e nos deixam um pouco bêbados, como os mantras entoados pelos indianos e os que oram nos cultos. Como os atabaques da umbanda.
Enquanto Amy canta, estou envolta num véu inebriante como incenso e ando por campos nublados, entre árvores vazias, só os galhos dispostos à espera do clima ameno de dias de primavera, e as casas balançam, com suas janelas pequeninas da Idade Média, enquanto a estrada à minha frente se adianta, com seus mistérios e coisas estranhas: uma alienígena perambulando entre as gentes, impedida de conjugar os verbos em todos os tempos.
Mesmo assim é doce e suave. Quem não é estrangeiro neste mundo grave?
Amy canta e me conduz por entre ruas tristes e lindas, como a Europa.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Poesia dentro da praxe

Enquanto o trem rangia sobre os trilhos, vindo
Eu vagava cansada, entre nuvens
Procurando enxergar através dos vidros
A fumaça das casas
Viajava há um dia pelos ares
E porque podia medir a distância em tempo
A separação em mim se alongava
Como se fosse definitiva
E, nas árvores ao contorno dos morros
Eu ainda não via as folhas que faltavam
E o cantado da língua não era bonito
Só mais um artifício do desconhecido
Só outro enigma em terra de gringo
Vi minha avó nos olhos de uma velha distinta. E a mim mesma
: olhos atrevidos, amendoados, que riem sozinhos
Às malas quadradas, difíceis de levar,
Reservei os sonhos de peso
Ainda assim, quando as abri, tudo faltava
Parece praxe dizer isso a uma semana de casa
Mas medir o espaço em meses é poema
Com nome predestinado de saudade
Porque quando a distância é tamanha
Que se possa medir em águas
Já se aporta com o peito cheio dela
O oceano transbordando pelos olhos
Ao desembarcar da caravela

O que eu mais gosto

O que eu mais gosto daqui são os velhos
As rugas juntas e a pele grossa, os cabelos brancos
O que eu mais gosto na Europa são as pedras que compõem as casas
Os prédios pequenos, as igrejas e as ruas do centro
Os tijolos de outras épocas que erguem sólidas construções e arcos
O que eu mais gosto é o destemor de assumir o antigo e o precário
São as avós e as tias zanzando pelas calçadas de Coimbra
Sentadas nos cafés, nas praças, padarias
Com os netos, os amigos
O que eu mais gosto destes dias que surgiram em minh’alma
É a vida, em todas as etapas exposta, e à mostra como uma coisa bonita
Um outdoor, um cartão de visitas
O que eu mais gosto é ver escombros e pátios, janelas e varais
Chaminés acesas e cortinas
Senhoras de casacos de lã e avental pelas ruas, restaurantes, ao pé das casas
Senhores trajando roupas de alfaiataria e boinas
O que eu mais gosto é não haver asilos pra esconder o tempo que passa
Mas abrigos, lugares, cadeiras. Companhia e vida
Nas varandas, nos quintais, nos sítios e paragens
Pra toda essa gente antiga e edifícios
Que envelhecem vestidos de si mesmos
Orgulhosos, pálidos e amarrotados. Ostentando poesia

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Abri os olhos



Abri os olhos
Árvores desfolhadas
Um safári de leões
Um rio na minha casa
Olhinhos mouros de uma velha senhora
Abri os olhos
O coração partido como num romance acabado
Uma dor de despedida
Línguas estranhas e personagens
Nunca dantes vistos, ouvidos, tocados
Abri os olhos
Tetos angulosos, próximos das testas
Trens dentro do horário
Pães e queijos delicados
Vinhos que não choram
Abri os olhos
Revi você
Seus traços, seus beijos, seus olhos
Havia me esquecido de que eram amarelecidos
Por vezes esverdeados
Abri os olhos
Tudo é frio e as malhas são baratas
As portas estão trancadas??
Minha história está do outro lado
Mas é aqui que eu moro há três meses
Ou há três décadas?? - quem sabe?
Abri os olhos
A Europa se mostra
Por enquanto em casas sobrepostas e ruas largas
Por enquanto em números e horas
Por enquanto e só enquanto demoro
A cortar cordas e, de verdade
Abrir os olhos

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Romances

Eu gosto de histórias compridas. Gosto de romances, livros que se estendem na gente e se multiplicam em detalhes pequenos que nos apaixonam. Compartilham da nossa vida, das nossas pequenas coisas, das nossas noites e instantes despercebidos, e quando a gente dá por si, já não pode deixá-los, eles ficam na gente pro amanhã e sempre. Em personagens, passagens, acrobacias. Às vezes se perdem de seus nomes e títulos, se enroscam em capítulos perdidos, que fisicamente não existem. Eu gosto das coisas que se desenvolvem, dos jardins, das colinas, da areia da praia. De tudo o que se constrói com tempo, paciência e um dedo de mistério. Livros de inúmeras folhas são como a vida: remetem-nos a um lugar que é feito de todo dia e que apraz com a presença continuada e o aconchego das horas solitárias. Robustece com o procedimento encadeado da rotina, que é dotado de uma doçura tênue como as manhãs e seus aromas, e que, muitas vezes, só é perceptível depois da última página.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

No que eu acredito 2

Eu acredito na minha filha. Acredito em magia, na força da natureza, no compasso da batida, no ritmo do coração. Eu acredito em fantasia, em páginas de livros e cenas de filme. Eu acredito em expressão facial, em antítese, na complexidade de um, na unidade do todo, em Jesus e Maria.
Eu acredito em milagre. Acredito em poesia e em histórias fantásticas. Acredito em orvalho e vagalumes. Eu acredito no dia e na noite, acredito no mar e em tubarões assassinos. Acredito em pessoas iluminadas, encantadores de cães, cavalos e tubarões. Acredito ser possível dispôr um tubarão com o nariz para baixo, reto como uma tábua, em pleno oceano.
Eu acredito no amor, na paixão, na amizade. Acredito também no mal , na vileza e no crime.
Eu acredito no sol, e é porque sei que ele está lá, em algum lugar, é que eu levanto todo dia.
Eu acredito no passado, no futuro, num tempo editado num tempo desconhecido. Acredito nas atrocidades cometidas e nos algozes nossos de cada dia. Mas acredito mais no sonho, na ousadia, na coragem de arriscar-me a ser o que ninguém julgou que eu poderia.
Eu acredito nisso. E você, em quê?

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

UM POUCO DE NADA

Um pouco de nada, às vezes é tudo.
Um pouco de vazio pra perceber de verdade quais são os sentimentos e o estado de espírito.
Sem esse fundo, esse piso, a gente só imagina o que sente. Saber mesmo, a gente só sabe se se enclausura consigo por um tempo, sem declarações, sem companhia, sem interferência.
E então, gestos e perfumes que eu julgava perdidos, vêm pra mim e me rondam, auras tão densas quanto corpos, e respiram no meu ouvido frrrruuuu - eu sinto o vento e o calor, uma brisa de verão na minha nuca, um abraço perfeito no meu ser inteiro.
Mas não é só isso. Debaixo de tudo, descubro meus olhos baixos - olhinhos de esquilo - e minh’alma se deita, cansada e encharcada. Encosta-se nas paredes, lânguida e plácida. E eu me ponho a contemplá-la, e penso que ela é tão bonita...
Quando ficamos a sós, eu olho para ela e ela me ignora. Não quer mais ceder aos meus caprichos e conveniências, às minhas ignóbeis obrigações. Vira-me a cara e finalmente se sente à vontade: meu rosto sem sorriso.
Então nos estranhamos um pouco: por que ela não é tão colorida, por que ela se esgueira? porque ela não me acolhe e me convida pra um passeio branco e pacífico? - ela aprecia os vales e as florestas, gosta de se camuflar entre as folhas, chover com as nuvens,
Vive molhada.
Mas depois de um tempo com ela, eu já não a rejeito. Passo a apreciar seus cinzas e marrons e penteio com os dedos sua matéria de sombras: uma textura de clara de ovo, só que escura.
E então as lembranças retornam, fincam o pé no meu entorno e pronto! Lá está o meu mundo.
Todos os meus temores e desejos numa valsa. Minh’alma no meio.
Eu e minhas vesículas vazias, imperfeições globulares onde cabem ternuras de antigamente e esperanças perdidas.
O nada nos devolve uma à outra. E a realidade é bonita. É o que de mais bonito a gente pode ter.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Coisas pequeninas

Coisas pequeninas
Tijolinhos
Gravetos
Cílios
Quinquilharias com que se fazem ninhos
Coisas pequeninas
Seus lábios
Uma mordida
Um assovio
Gestos
Sobrancelhas
Beijos
Coisas pequeninas
Cheiros
Passos
Hálito
Coisas pequeninas
Como o vento
O tempo
O mar
Coisas que ficam
Cores
Voltas
Caras
Minúcias desensaiadas
Roupas
Dedos
Notas
Coisas pequeninas que escapam
Imperceptíveis
Incontroláveis
Marcas
Coisas pequeninas
Uma piscada
Hábitos
Pontualidade ou atraso
Unhas
Punhos
Anéis
Coisas sem porquê
Desmedidas
Coisas démodé
Poses
Bicos
Coisas de você

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

amor feijoada

está tudo estragado
depois que você passou a corda no meu pescoço
e laçou minhas pernas
eu que era um novilho ingênuo
e trotava sem medo -
algum ingrediente azedou
e fez de nós um mexidão indigesto e mal cheiroso
está tudo estragado
o cozido já não presta
tornamo-nos asquerosos pedaços de animal pululando na panela fumegante
e um pedaço ou outro da gente
se conecta por pontes de gordura
e se beija
mas está tudo estragado
os pedaços já se perderam
e não se sabe mais se esta orelha é sua
se aquele rabo é meu
nossas línguas ferventam juntas
e nossas fibras se confundem
tornamo-nos uma imensa feijoada azeda
numa panela de barro velho
prestes a espatifar no piso de vermelhão

Neblinas de Liverpool



Você precisa do sonho porque o sonho é esta neblina que cobre o horizonte longínquo e exige que a gente aperte os olhos pra enxergar mesmo o que está perto, - ainda que parcialmente e faltando peças, como num quebra-cabeças em que você pode inventar a seu bel prazer o encaixe perfeito. O sonho é esta nuvem que escurece o lugar em pleno dia, esta névoa em volta da torre que deixa o cenário com um romântico ar londrino, antigo e polido, repleto de figuras vivas que você só concebia no papel: soldadinhos eretos sincronizados, ônibus de dois andares, nuvens ao redor de um enorme relógio, uma rainha, Liverpool. Você precisa dos sonhos cinza-claro pra tapar o amarelo que brilha soberano sobre a tua vida cheia de vida, de gente, de agenda e rotina. Você precisa do sonho e por isso se deita sobre Sargent Pepper’s comigo e fecha os olhos. Adormece envolto no vapor da comida e neblina de Londres seu cubículo suburbano, refugiando-se de si mesmo, um pouco John Lennon: frágil e agressivo. Você precisa do sonho e por isso me abraça como quem se aconchega no vazio e se enlaça nas brumas.