sábado, 31 de março de 2012

Segredo

Não dá pra saber a influência
Que a gente tem sobre a vida.
Se a ela só segue sua sina
Ou se é a gente quem dita.
Se há como driblar a tristeza,
É tanto segredo que ninguém
No mundo domina o engenho.
Só tenta, tenta. Gira, gira.
E dá com ela de frente
Numa ou noutra esquina.
Pensa, pensa e não desvenda:
Se a vida é assim mesmo
Ou se existe quem decida
Pra onde rodam os ponteiros.
Pra que lado mora o passado
E o presente onde fica,
Se a cabeça se divide
Entre o que está atrás e não volta
E o que está adiante e não vira.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Flor de amendoeira


As amendoeiras estão floridas.
São caprichos róseos
À beira do caminho.

Palpita, por dentro, a mística
Do branco de algumas horas,
Como pétalas espargidas.

Em desertas ruas pacíficas,
Escapam notas eruditas
De coisas simples da vida.

Das mais simples,
Coisas simples,
Da vida.

Sem rédeas

Cabe a mim escrever o mapa
Das ruas que ele deve trilhar.
Levantar as paredes da casa
E o cabo do guarda-chuva
A fim de o abrigar.
Cabe a mim escrever as regras,
Delinear o rito.
Sem minha pena incisiva
Sobre nossos caminhos,
Não existe lugar
Nem nada além do destino
Conosco a brincar.
Se lhe permito tema livre,
Só desenha rabiscos!
Desperdiça tempo e tela.
Antes o virgem do branco
Que ele, perdido, sem rédeas.

AMOR ETERNO

Amor eterno não se jura
Não cabe às gentes
Prever as agruras
O pra frente é sempre oculto
De esconjuros, reduto

Não se jura o amor infinito
Por mais que seja bonito
De o dizer, de o valsar
Por mais imenso o vazio
Da alma que lho queira jurar

quinta-feira, 15 de março de 2012

A melhor pessoa do mundo

Se alguém me perguntar
Qual no mundo, a melhor pessoa
- Não tenho dúvida:
É uma criatura única e tão boa
Que se por aí eu andar à toa
Sem saber por que ou pra onde,
Não vendo sentido em nada,
Respiro os ares da infância
E me vem sua figura.
Por si só é uma dádiva
Ser companheira de jornada
De homem tão amável,
Sensível, delicado.
Não haveria melhor motivo
Pra levar adiante a vida.
Ser sua filha é ser felizarda.
E levá-lo sempre comigo,
Por mais ermo, o caminho,
Um prêmio sem paga.

terça-feira, 13 de março de 2012

Olhos amarelos

Como um leão de olhos amarelos
Ele deita sua juba castanha
Nos meus cabelos
E aquele detalhe de lábios
Torcidos para o lado
Se revela
Ele deita e rola
Me experimenta e absorve
O sabor das  palavras
Me hipnotiza com olhar dourado
Pétalas de girassol
Que me percorrem e rodam
Pela minha pele e pernas
Como um leão domado
Ele assenta
Sobre o monte mais alto
Delineia-me os seios
E brinca
Com as sobrancelhas
Diz-me coisas doces
Mesmo sem dizer nada
Iluminam-me o dia seus raios
Que irradiam feito cachos
Luz do dia

segunda-feira, 12 de março de 2012

Pirlimpimpim



Ele sonhava com borboletas que andavam, com cogumelos falantes, fadinhas peitudas rodeando girassóis malvados. Ele imaginava coisas impossíveis e lugares esquisitos de cores berrantes e paredes de vidro, corredores na transversal, como labirintos. Desenhava sapos voadores e morcegos escarafunchados na terra, como tatus. Falava com as violetas dispostas na janela e fazia com elas bailes de debutantes, em que todas dançavam sozinhas e nenhuma tinha par. Ele andava a um palmo do chão e no vão entre seus pés e a realidade ele criava coisas inimagináveis, alucinações repletas de encanto e faz-de-conta. E, então, depois de um dia cansativo entre todos os personagens e territórios perigosos que criava, ele escrevia, concentrado e leve. A verdade é que ele só sonhava coisas esdrúxulas pra vesti-las de rimas. Até o dia em que uma menina de pele cor de rosa e cabelos azuis, virou pra ele seus olhos cor de abóbora e perguntou, por que ele não experimentava viver alguma coisa de verdade e depois escrevê-las (?). Afinal, quando se escreve qualquer coisa e ela vem pro papel, ela já se torna, por si só, uma ficção, uma história encantada que se pode transformar no que bem entender. Ele então o fez. Viveu três dias seguidos como as pessoas normais, mas não tinha vontade de pegar a caneta e passou a dormir às noites. Até que um dia, depois que sua mãe gritou lá de dentro: menino, para de sonhar senão você não vai ser ninguém na vida, ele pensou que não estava sonhando e que era impossível, àquela altura, não ser ninguém na vida, já que ele estava vivo e era filho dela. Então percebeu, não é que a menina cor de rosa tinha mesmo razão? A vida real já é uma história e tanto. E quando ele começou a escrever sobre coisas banais, como atravessar a rua, cortar o pão pela manhã e vestir-se pra escola, foi só pra fazer todo mundo ver que o mundo todo sonhava, porque a rotina, mesmo sem monstrinhos coloridos e meninas voadoras, já era um delírio bem grande. Ele já não sonhava pra escrever, ele escrevia e a realidade se tornava, então, um sonho tão rico quanto os países sem fronteiras que ele criava, repleto de loucuras e amores platônicos, ternuras e pavores intermináveis que ele coloria sem medida e embrulhava em versos. Quando, no futuro, os outros liam as coisas que ele escrevia, pensavam: como pode ter imaginação tão fértil??? Mas que coisa! A gente se põe a viver e ninguém pode acreditar que aquilo não é nada demais, só a vida. É... o papel transforma o cotidiano numa coisa mágica e quem lê, com olhinhos aguçados e empoçados de mesmice, ilumina as palavras com pó de pirlimpimpim e pensa: se eu pudesse escrever algo assim, punha-me a viver! Ah... se todo mundo soubesse...!