segunda-feira, 21 de novembro de 2011

NÃO TENHO CONSCIÊNCIA NEGRA

Como escrever sobre uma consciência que não me pertence? Sobre uma negritude que eu desconheço? Não tenho nada nem perto de negro. A não ser, talvez, a íris castanha dos olhos, que eu gosto tanto. Talvez, quem sabe, também, os cabelos, crespos como uma esponja, black desde a infância, quando não era do “momento”, mas motivo de vexame, de desdém. Não tenho nada de negro, a não ser meu avô e tios morenos. Assim como não tenho nada de índio, apenas a mãe de meu pai, matogrossense. Não tenho nada que me lembre a senzala, apenas os dias em que fui apartada do grupo das loirinhas bem penteadas e, quietinha, fui chorar no banheiro. Não tenho nada de negro, a não ser aqueles dias no colégio em que eu ainda pensava que o M, símbolo de uma marca de calças desconhecida que eu usava, era o mesmo que vestia as modelos. Não tenho nada de negro. Talvez apenas aquelas lembranças de quando eu era menina e meu pai motorista de táxi. Apenas aqueles dias remotos em que a felicidade era uma barra pequena de chocolate depois do jantar, dividida em quatro. Não tenho nada de negro. Antigamente, talvez, aquela vontade que eu passava de comer bolo na cantina da escola, mas não tinha dinheiro. Ou os risinhos alheios acerca da minha roupa que não combinava no inverno. Não tenho nada de negro. Apesar de nunca ter passado fome, já passei vontade, já sofri preconceito, já fui segregada, não pela cor da pele, mas pelo jeito do cabelo, pela falta de moda, pelo olho comprido, pelo sentimento de inferioridade perante as mais bonitas ou pelos meninos esnobes, de carteira cheia. Não tenho nada de negro, como podes ver, não tenho nada de negro. Mas quando olho pra trás, como quase todo brasileiro, deparo com meus ancestrais miscigenados. E mais, quando olho no espelho, vejo que aquela criança de cabelos cheios, que tinha dó dos pais vindos de terra vermelha, e que silenciou episódios de bullyng porque era feia, sem sobrenome e tímida, além de tudo o mais que eu guardo, em algum compartimento trancado aqui dentro, sobre discriminação e apertheid, NADA MAIS É QUE A CONSCIÊNCIA NEGRA QUE EU NÃO TENHO.

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