segunda-feira, 12 de março de 2012

Pirlimpimpim



Ele sonhava com borboletas que andavam, com cogumelos falantes, fadinhas peitudas rodeando girassóis malvados. Ele imaginava coisas impossíveis e lugares esquisitos de cores berrantes e paredes de vidro, corredores na transversal, como labirintos. Desenhava sapos voadores e morcegos escarafunchados na terra, como tatus. Falava com as violetas dispostas na janela e fazia com elas bailes de debutantes, em que todas dançavam sozinhas e nenhuma tinha par. Ele andava a um palmo do chão e no vão entre seus pés e a realidade ele criava coisas inimagináveis, alucinações repletas de encanto e faz-de-conta. E, então, depois de um dia cansativo entre todos os personagens e territórios perigosos que criava, ele escrevia, concentrado e leve. A verdade é que ele só sonhava coisas esdrúxulas pra vesti-las de rimas. Até o dia em que uma menina de pele cor de rosa e cabelos azuis, virou pra ele seus olhos cor de abóbora e perguntou, por que ele não experimentava viver alguma coisa de verdade e depois escrevê-las (?). Afinal, quando se escreve qualquer coisa e ela vem pro papel, ela já se torna, por si só, uma ficção, uma história encantada que se pode transformar no que bem entender. Ele então o fez. Viveu três dias seguidos como as pessoas normais, mas não tinha vontade de pegar a caneta e passou a dormir às noites. Até que um dia, depois que sua mãe gritou lá de dentro: menino, para de sonhar senão você não vai ser ninguém na vida, ele pensou que não estava sonhando e que era impossível, àquela altura, não ser ninguém na vida, já que ele estava vivo e era filho dela. Então percebeu, não é que a menina cor de rosa tinha mesmo razão? A vida real já é uma história e tanto. E quando ele começou a escrever sobre coisas banais, como atravessar a rua, cortar o pão pela manhã e vestir-se pra escola, foi só pra fazer todo mundo ver que o mundo todo sonhava, porque a rotina, mesmo sem monstrinhos coloridos e meninas voadoras, já era um delírio bem grande. Ele já não sonhava pra escrever, ele escrevia e a realidade se tornava, então, um sonho tão rico quanto os países sem fronteiras que ele criava, repleto de loucuras e amores platônicos, ternuras e pavores intermináveis que ele coloria sem medida e embrulhava em versos. Quando, no futuro, os outros liam as coisas que ele escrevia, pensavam: como pode ter imaginação tão fértil??? Mas que coisa! A gente se põe a viver e ninguém pode acreditar que aquilo não é nada demais, só a vida. É... o papel transforma o cotidiano numa coisa mágica e quem lê, com olhinhos aguçados e empoçados de mesmice, ilumina as palavras com pó de pirlimpimpim e pensa: se eu pudesse escrever algo assim, punha-me a viver! Ah... se todo mundo soubesse...!

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