Como escrever sobre uma consciência que não me pertence? Sobre uma negritude que eu desconheço? Não tenho nada nem perto de negro. A não ser, talvez, a íris castanha dos olhos, que eu gosto tanto. Talvez, quem sabe, também, os cabelos, crespos como uma esponja, black desde a infância, quando não era do “momento”, mas motivo de vexame, de desdém. Não tenho nada de negro, a não ser meu avô e tios morenos. Assim como não tenho nada de índio, apenas a mãe de meu pai, matogrossense. Não tenho nada que me lembre a senzala, apenas os dias em que fui apartada do grupo das loirinhas bem penteadas e, quietinha, fui chorar no banheiro. Não tenho nada de negro, a não ser aqueles dias no colégio em que eu ainda pensava que o M, símbolo de uma marca de calças desconhecida que eu usava, era o mesmo que vestia as modelos. Não tenho nada de negro. Talvez apenas aquelas lembranças de quando eu era menina e meu pai motorista de táxi. Apenas aqueles dias remotos em que a felicidade era uma barra pequena de chocolate depois do jantar, dividida em quatro. Não tenho nada de negro. Antigamente, talvez, aquela vontade que eu passava de comer bolo na cantina da escola, mas não tinha dinheiro. Ou os risinhos alheios acerca da minha roupa que não combinava no inverno. Não tenho nada de negro. Apesar de nunca ter passado fome, já passei vontade, já sofri preconceito, já fui segregada, não pela cor da pele, mas pelo jeito do cabelo, pela falta de moda, pelo olho comprido, pelo sentimento de inferioridade perante as mais bonitas ou pelos meninos esnobes, de carteira cheia. Não tenho nada de negro, como podes ver, não tenho nada de negro. Mas quando olho pra trás, como quase todo brasileiro, deparo com meus ancestrais miscigenados. E mais, quando olho no espelho, vejo que aquela criança de cabelos cheios, que tinha dó dos pais vindos de terra vermelha, e que silenciou episódios de bullyng porque era feia, sem sobrenome e tímida, além de tudo o mais que eu guardo, em algum compartimento trancado aqui dentro, sobre discriminação e apertheid, NADA MAIS É QUE A CONSCIÊNCIA NEGRA QUE EU NÃO TENHO.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Purpurina
este universo é mágico
despedaço-o com as mãos
em mínimas migalhas
purpurina sob os saltos
areia e átomos
em que estão suspensos corpos
o cosmos e a existência
minúsculos códigos e fórmulas
como o zero e um na informática
e as palavras em cadeia
do html
tudo está conectado
e têm dias em que a visão estende-se
e em que se escreve imerso
na poeira poética deste Mistério
despedaço-o com as mãos
em mínimas migalhas
purpurina sob os saltos
areia e átomos
em que estão suspensos corpos
o cosmos e a existência
minúsculos códigos e fórmulas
como o zero e um na informática
e as palavras em cadeia
do html
tudo está conectado
e têm dias em que a visão estende-se
e em que se escreve imerso
na poeira poética deste Mistério
Teus resquícios
Aprendi a escrever enquanto falo
Enquanto penso
Enquanto voa o pensamento
Aprendi com ele a explicar versos
A gesticular enquanto argumento
Justificando, enquanto crio
O sentido de cada vocábulo
Empregado no texto
Empregado no texto
Aprendi com ele a balançar a cabeça
E a escolher palavras
Sem o silêncio do instinto
Aprendi pras rimas um motivo
Além do coração
Além do invisível
E contorço as mãos
Vestindo de canção
O que, de poemas
Agora, são
Só resquícios
Agora, são
Só resquícios
terça-feira, 1 de novembro de 2011
descaminhos
há constatações insensatas
constelações apagadas
corações consternados
constelações apagadas
corações consternados
braços e mãos cruzadas
há brechas delicadas
beirais floridos de medo
há verdades intangíveis
segredos ao toque das asas
há almas perdidas
em corpos desconhecidos
há desassossego por baixo
das vestes e do próprio ninho
há tristezas vindo
há sorrisos mortos
lábios cansados sorrindo
e janelas, portas e pedras
cantando caminhos tortos
pra nossas futuras pegadas
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