segunda-feira, 15 de novembro de 2010

CARRANCA

Qual a dimensão de uma primeira impressão?
De uma postura ereta ou de uma boca arreganhada ou de ombros tensos, curvados pra frente?
De uma bunda empinada ou um nariz empertigado?
Qual a importância dos lábios cerrados ou da amistosidade amplificada, ao primeiro contato?
Por que o retrato é tão valioso neste mundo tão vago?
Por que quem vê se deixa iludir tão facilmente, por um personagem montado?
A carranca é a escultura feia que ilustra o barco, e que afasta as maldições de seres indesejados.
Quem é de bem, tem na carranca um escudo, uma blindagem.
No mundo primitivo era de se ver além, não apenas com os olhos.
A carranca era uma proteção, com sua cara feia e misturada de criaturas várias. Era a cara do bem na feiúra encruada e talhada em madeira.
Ter na face uma face medonha não quer dizer que no espírito não haja uma benção, um infinito de benignidades a serem compartilhadas.
A carranca do meu barco afasta o que é mau e aquele que se deixa cair na cilada da receptividade oca, coberta de inverdade.
Quem vê além sabe que, atrás da careta e da postura ereta, da aparente opulência de quem precisa manter-se reta, há muito mais que a beleza da carne.
Há um espírito, uma alma, duas palmas abertas.
Há a pérola encoberta na concha fechada.
E a graça está em guardá-la e ver quem é capaz de achar, dentro da concha de lábios colados, a jóia que brilha.

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