terça-feira, 8 de julho de 2008

Bruxinha branca










Um canto de galo
quase à meia noite. Estranho...
Mesmo assim esse cantar me comove...
Mariano...
Porque em casa de minha avó
era assim...
O calor forte, as cores vivas,
os cheiros intensos,
que em fumaça se movem,
do cigarro, da comida,
da arruda, da vela.
E os sons... Os pássaros...
O papagaio...
O som da roldana que sobe,
do poço, o balde.
O som da água no tanque...
Das crianças dos vizinhos,
da carne de porco fritando,
da voz chiando baixinho,
uma Ave-Maria, uma reza...
O som da vela queimando
e dos gestos das mãos que fazem
os sinais da cruz,
que se sucedem, um após outro...
O cheiro da pele de minha avó...
O cheiro da minha velhinha.
Da minha bruxinha do bem,
de voz grave e risada alta,
de dente de ouro e cabelos brancos,
tão branquinhos... como de uma bruxa,
uma cigana...
mergulhada na fumaça de seus cigarros,
nos odores daquela casa vermelha
de cera lustrada, o chão...
e suas cores...
A horta, o galinheiro,
os personagens ao redor,
entrando e saindo,
chamando...
Dona Aparecida,
Ô Dona Ap'recida
quase que comendo o segundo "a".
Porque mariano, de Santa Mariana,
como minha filha andreense,
feita por lá...
Que saudade do portão azul,
sempre aberto.
Do loro, dos sons...
do galo cantando,
do sol a pino, das cores tão vivas,
dos cheiros imensos,
das pessoas saídas de um livro,
de um pensamento mais longe
quase um vento...
Que saudade de meu avô.
De seus assovios suspirantes,
de sua língua dobrada,
e suas piadas inocentes,
da sua doçura, seu encanto,
de sua frágil postura
de quem luta contra a doença
e por isso sabe ser doce,
mais doce que tudo.
Daquela casa de mamões,
de flores, borboletas,
chuchus na cerca,
folhas na horta,
galinhas, lavagem...
de abacates e ameixas amarelas,
de chão vermelho,
papagaio verde e
de uma bruxinha branca,
encantada!,tão linda!
Abençoada...
Minha vozinha!
Que saudade de tudo,
de sua casa viva, de você,
de minha família...
De mim, enfim. Cadê?
Aqui! A ouvir um galo na cidade,
à hora de dormir.
Estranho...

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