segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Ode ao avesso

Pra você é muito simples
Enclausurar-se todo dia
Pra ganhar dignamente a vida
Pra você não há sofrimento
São as necessidades
A sobrevivência

Então você levanta e vai
Se veste e penteia
É da sua natureza

Eu me queixo e você não compreende
Repreende meu lamento
Diz que eu fantasio
Cabeça de artista vagabundo
Pensamentos à deriva
"Como vai comprar o carro
Pagar o condomínio?"

Você não entende que o mundo é minha casa
E os muros são antíteses
Às rimas fáceis das minhas frases
Às minhas dúbias alegrias

Você não entende por que caminhos minha vontade vai
E que nada de ordinário me apetece
: todo dia acordar, bater ponto e tomar
O mesmo ônibus pro serviço

Queixar do chefe,
Domar a alma livre
Comportá-la num compartimento
Tão pequeno pros meus olhos
Sedentos de mundos, pontes, rios

Você não pode ver
Você não entende
Só pensa na prestação da casa
Na grama do vizinho
(Sempre mais verde
Sempre mais lisa)

Só espera o jantar de domingo
Só se ocupa com idiossincrasias
- tão natural à burguesia -
(Essa classe que atende a conclamos e regras
Mas pouco vive)

Você não entende meu raciocínio
- pra mim isso é um alívio -
Ser compreendida por alguém assim
Seria suspeito e ambíguo

Só me compreendem os surfistas
Os poetas, peregrinos
Só me compreendem os artistas
Os sem-tetos, os indígenas.

L.G.

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